Leitora faz cem anos

Leitora faz cem anos

Dona Maria José teve festa no Zoom

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      No meio de tanta notícia triste, uma alegria: Cristina Yami me mandou uma mensagem pedindo um vídeo de homenagem aos cem anos de dona Maria José. Há cinco anos, dona Maria José me esperava na recepção do Correio do Povo, à saída do Esfera Pública. Queria me conhecer pessoalmente. Escrevi sobre ela: “Maria José nasceu em Porto Alegre, onde viveu até recentemente. Agora mora com o filho em Florianópolis. Morre de saudades do Bom Fim, onde passou boa parte da vida, e do Passo da Areia, onde teve casa. Batemos um bom papo. Dona Maria José garante que não vive sem as minhas colunas, que lê de madrugada”.

      Na ocasião, ela me recitou de memória um poema seu: “Poetar é mostrar a alma para o outro”. Agora, na comemoração do centenário, teve festa no Zoom. Dona Maria José discursou. Ela tem Face e Whats. Continua morando em Floripa. Dona José tem a memória da cultura afrodescendente de Porto Alegre. Terminei minha crônica de 2016 assim: “Nossa próxima conversa está alinhavada. Dona Maria José voltou para Santa Catarina. Vai fazer novos poemas. Vai recitar os antigos. Vai sonhar com Porto Alegre. Vai me ler de madrugada. Os nossos passos se confundem nas calçadas do Bom Fim. O tempo é só um poema”. Na foto da festa de cem anos Dona Maria José aparece elegante, altiva, faceira.

      Lembro-me que, depois de ter conversado pessoalmente com ela, liguei para o grande crítico literário brasileiro Antônio Cândido, que estava com 98 anos, e falamos do tempo, da memória e da vida. Tenho amigos centenários. Nilza Linck, a musa do castelinho do Alto da Bronze, está com 98 anos. Edgar Morin fará cem anos em julho. Está firme e forte no Twitter. Recentemente postou: “O historiador deve historiar-se a si mesmo”. E ainda: “Bunca se abandona um amigo”. Viver assim longamente com saúde e prazer dá ganas de ir longe. Já fui a muitos aniversários de cem anos. Os centenários gostam do que eu escrevo. Há quem deboche de mim por causa disso. Eu me orgulho.

      Gosto também dos jovens. Meus alunos, que andam entre 17 e 20 anos, em média, me encantam pelo entusiasmo e pelo desejo de aprender. Ensinam muito. Volto à minha crônica sobre dona Maria José: “Contou que adora Palomas, onde nunca esteve, e que chega a sentir o cheiro das frutas quando eu as descrevo. Cheia de ideias e atenta aos dilemas brasileiros, ela me fez uma sugestão que preciso levar para análise numa assembleia de cidadãos palomenses: transferir o Congresso Nacional para Palomas”. Bons tempos. Olho a foto de dona Maria José aos cem anos de idade e vejo uma menina cheia de vida e de alegria.

      Dona Maria José sonhava com festa presencial para os seus cem anos. Queria abraçar muita gente. Não deu. Tomara que nos seus 101 anos já se possa ter muito contato físico, muito beijo, abraço e aperto de mãos. Quanto coisa dona Maria José tem visto? Criança na revolução de 1930, era jovem na Segunda Guerra Mundial. Estava na idade da razão nos emocionais anos 1960. Viveu no Estado Novo, na redemocratização e na ditadura nova. Viu Getúlio Vargas chegar ao poder e nele morrer. Muitos anos de vida, dona Maria José. Obrigado.

 


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