Linguagem inclusiva

Linguagem inclusiva

De quem é a língua?

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      Cada época com as suas polêmicas. A nossa tem fartura de controvérsias. Devemos adotar uma linguagem que neutralize o gênero? A briga é de foice. Podemos localizar, de certo modo, três posições. A primeira, que se pretende ponderada, diz que não se deve confundir gênero gramatical com gênero sexual. Assim, dizer “todos” não seria uma dominação do masculino sobre o feminino. Poderia ser “todas”. Mas não é. Como toda língua é uma convenção, o importante seria a eficácia. Essa neutralidade cara a gramáticos clássicos não convence aqueles que enxergam nessa estratégia um ardil histórico masculino.

      Outro grupo entende que a língua, por processo histórico de formação, é machista e deve ser alterada em nome de um modelo mais inclusivo. É o pessoal que prefere “bem-vindxs” a bem-vindos e bem-vindas. Uma das ressalvas a essa solução é que ela seria impronunciável. Funcionaria na escrita, mas não na fala. Os defensores desse tipo de alteração costumam lembrar que nenhuma língua é imutável. As mudanças acontecem o tempo todo, lentamente. Por essa visão, língua não tem dono nem administrador. É de todos. Os mais críticos apontam a língua como um sistema de hierarquia social. Numa língua o plural deve ser pronunciado “s” por “s”. Noutra, não. Isso indicaria que nada em gramática é sagrado, lógico ou inquestionável.

      Um terceiro segmento, bastante estridente, alega que minorias querem impor um modelo linguístico à maioria. Nessa linha, dizer “todos” para todas e todas, ou para “todxs”, não ofenderia ninguém. Os adversários questionam: por que dizer “todos” quando estão presentes, por exemplo, nove pessoas do sexo feminino e uma do sexo masculino? Não deveria então ser adotado o termo que englobasse a maioria? Outro ponto em discussão diz respeito à amplitude de gênero, para além do binário masculino/feminino. Cada tempo com as suas tensões. Noutro campo, temos a polêmica das homenagens ao passado. Uma rua Adolf Hitler ou Francisco Franco deveria continuar existindo? Ou Fidel Castro? Uns dizem que não se deve apagar o passado, especialmente aquele pelo qual se tem admiração. Outros afirmam que não se trata de apagá-lo, mas de deixar de homenagear tiranos, escravocratas, assassinos, figuras cruéis, enfim, personagens de valor duvidoso.

      Os céticos dizem que duvidoso é sempre o gosto do outro. Ou a sua ideologia. A esquerda gostaria de eliminar os heróis da direita e vice-versa. Quem vencerá? Ainda não se sabe. Alguém será cancelado por dizer todos? Alguém será execrado por ter dúvidas? Quantos serão ridicularizados por não se conformarem com a permanência ou com a mudança? Uma solução seria a escolha, ou invenção, de desinências pronunciáveis neutras para os conjuntos, como o já famoso “todes”. Tem língua, porém, em que o “e” marca gênero. Há também quem fale em possibilidade de perda de poder descritivo pela adoção de um neutro. Se alguém fale ele ou ela dá uma informação. Se adota um suposto neutro, tipo “el”, restringe a descrição? Diz menos? Esse tema é apaixonante, sério e complexo. Não sairá de cena. Melhor se preparar.


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