Lula e a essência da narrativa

Lula e a essência da narrativa

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 O filósofo Martin Heidegger disse que a essência da técnica não é técnica.

Será jurídica a essência do direito?

Lula foi condenado em segunda instância por 3 a 0.

Só lhe restam no TRF-4 embargos declaratórios. Nada que vá alterar a sua sentença. Em quanto tempo será determinada a sua prisão? Possivelmente em pouquíssimo tempo. É claro que ele recorrerá a tribunais superiores. Como se diz, vai bater no STF. O que vai acontecer? Um tempo está praticamente encerrado. Mas só vai terminar de fato com a impugnação da candidatura de Lula à presidência da República e com sua prisão. São constatações. Não?

Muito se falou ao longo do julgamento do recurso em narrativa e em verossimilhança. O voto do desembargador Victor Laus foi o mais curioso. Ele se contentou em repetir o que já havia sido dito, mas tentando ser didático. Em dois momentos, surpreendeu. No primeiro, usou uma imagem bizarra. Algo assim: se há um computador com um texto aberto e estou falando olhando para ele então é razoável que eu esteja lendo esse texto. Balzac acusava os jornalistas de confundirem o verossímil com o verdadeiro. Será que um juiz faria isso? E se a pessoa estivesse falando sem ler o texto do computador? Em outro momento, disse que se alguém está sendo investigado por crime é por ter participado de algum. Terei entendido mal? É bastante possível.

Não creio em complôs, embora eles possam existir. Creio em imaginários, ideologias, visões de mundo, lentes. Vemos o mundo com os óculos que temos diante dos olhos. A lente forma, deforma, conforma, reforma. Podemos tirá-la? Devemos? Não sei. Para mim algo ficou provado: a profunda divisão ideológica do Brasil. Uma fratura passional que leva um lado a não querer ouvir o outro. As pontes caíram. Um lado vê nos indícios de corrupção envolvendo Lula uma narrativa com valor de prova. A outra parte vê nos indícios envolvendo o impeachment de Dilma Rousseff pelas pedaladas e na condenação de Lula uma narrativa de golpe com força de prova. Quem tem razão?

Diz-se que verdade é a coisa julgada.

E que a história é narrada pelos vencedores. Nesse sentido, verdade é a narrativa vencedora. Veremos Lula conduzido como Sérgio Cabral com algemas e corrente nos pés? Ou os embargos de Lula levarão tanto tempo para ser julgados quanto os de Eduardo Azeredo? A questão é brutal. Tento resumir perspectivas opostas. Uma parte ruge: e as malas do Aécio? E as malas do Geddel e do Rocha Loures? Não é verossímil que fossem do Temer? A outra parte rebate: cada coisa no seu tempo. Cada processo com seus juízes. Cada julgamento com seu tribunal. Cada réu com sua carga.

O que narra aquilo que está sendo narrado?

Quem narra? Os três desembargadores do TRF-4 mostraram-se personagens de um só autor. Consagraram Sérgio Moro, a Lava Jato e uma noção de justiça. Serão aplaudidos por isso ou por terem abatido o inimigo ideológico de uma parte da nação? Os sinos começam a dobrar por Lula. Ontem, ele era um espectro rondando Brasília. Hoje, é um cadáver sendo velado. Estranha mutação. Amanhã será o quê? Um presidiário? Por quem dobram os sinos?

Restam três saídas para Lula?

Cartas do cárcere?

Carta do exílio?

Um tiro no coração?

Ou uma quarta: o triunfo da vida e o retorno ao Planalto?

Os dados foram lançados.

Para onde eles rolam?

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