Lula será condenado sem provas?

Lula será condenado sem provas?

publicidade

Julgamento do século

 

      Comecemos com uma repetição: o contrário de uma verdade profunda pode não ser um erro ou mentira, mas outra verdade profunda. Essa ideia de Pascal costuma ser citada por Edgar Morin. Eu li as mais de 200 páginas da sentença do juiz Sérgio Moro condenando Lula. Não vi uma prova. Vi suspeitas, indícios e convicções. Ponho minha mão no fogo por Lula? Não. Não o faria por qualquer político. Mas também não condenaria alguém sem provas robustas. Certos crimes não permitem provas? Neste caso não há como condenar. Prova é a mala de dinheiro de Geddel Vieira Lima com suas impressões digitais. O resto é hipótese.

Lula foi o melhor presidente eleito democraticamente que o Brasil já teve. A CLT, o melhor da era Vargas, foi paradoxalmente feita durante o seu período ditatorial. Na era Lula, a plebe subiu um degrau neste Brasil de desigualdade permanente. Viveu-se melhor. Isso deve absolvê-lo de qualquer crime? Não. Lula quebrou o Brasil com sua política “assistencialista” e “populista”? É uma narrativa. Especialistas em economia divergem quanto a esse diagnóstico. Mesmo economistas como Luís Carlos Bresser Pereira, que não pode ser rotulado de comunista ou de petista, refutam essa redução ideológica.

Uma parta da população brasileira quer que Lula seja condenado para tirá-lo da corrida eleitoral. É aquela parte que odeia o bolsa-família e pratica o antipetismo mais virulento. Essa parte dirá que este é um texto petista. Essa parte odeia Lula pelo que ele fez de melhor. Outra parte quer absolver Lula mesmo que ele seja culpado. Eu só posso aceitar condenação com provas sólidas. O problema é que Moro não foi convincente na apresentação dessas provas concretas. Até pode ser que o tríplex fosse para Lula. Mas não foi, não é e não será. É provável que o tríplex fosse a recompensa por favores concedidos por Lula. Quais? Nenhuma relação direta e incontestável foi comprovada.

Os três desembargadores do TRF-4 vão confirmar a sentença de Sérgio Moro? Provavelmente. Não há certeza. Poderá acontecer um 2 a 1. A rapidez na definição da data do julgamento já foi um casuísmo, uma decisão política, com intenção política. É absurdo reclamar da celeridade da justiça quando se passa a vida criticando sua lentidão? Tudo o que foge do padrão exige uma abordagem crítica. A essência da justiça é técnica ou, em certos casos, não pode deixar de ser política? Em quem votaram os desembargadores que julgarão Lula? Não sei. Serão capazes de abstrair suas convicções ideológicas, sejam quais forem, em nome da isenção e da leitura técnica dos autos?

A esposa de Sérgio Moro, no Facebook, em tom de votos de Ano Novo, incitou eleitores a fugirem de candidato réu em 2018. É campanha explícita contra Lula, que lidera as pesquisas de intenção de voto apesar do bombardeio midiático que enfrenta diariamente. Por que Lula continua na frente? A hipótese elitista não se esconde: porque o povo mais simples e pobre não sabe votar. E já aparece preconceituosamente o Nordeste como bolsão de votos petista para exemplificar essa suposta incapacidade. Quem sabe votar é a elite que cravou Aécio Neves em 2014 em nome da modernidade, da racionalidade e da honestidade? Ora, pois.

Trabalhemos com hipóteses: e se tudo não passar de um pretexto, como foram as pedaladas fiscais que destituíram Dilma Rousseff, para tirar um adversário incômodo do caminho? Depois da queda de Dilma, a corrupção, que ceifou e prendeu ministros de Michel Temer, produzindo duas denúncias contra o próprio presidente da República, jamais encheu novamente ruas de manifestantes de verde-amarelo nem acionou uma orquestra de panelas. Por quê? Seletividade? Estratégia? A resposta mais comum é: cansaço. Quem pode acreditar em algo tão inverossímil?

A hipótese da armação encontra uma resposta automática: teoria da conspiração. E se for? O convencido alega: as provas são evidentes. Como evidente lhe parece que Lula quebrou o Brasil, que quem tem ressalvas às provas de Moro é petista, que o comunismo ronda, que a reforma trabalhista moderniza, que só esquerdistas atrasados defendem funcionários públicos preguiçosos, que países desenvolvidos cobram impostos baixos e que a uberização da economia é o melhor dos mundos.

Parte da população brasileira quer ver sim o retirante, o intruso, o barbudo semianalfabeto, o sem dedo, o comedor de plurais, o ignorante, enfim, o petista-mor esquerdista na cadeia. Para essa parte ideologizada da nação há uma vingança de classe a ser consumada. Não fosse assim, houvesse coerência na guerra justa à corrupção, as ruas teriam se enchido com essas pessoas exigindo a cassação de Aécio Neves e a saída de Michel Temer. O jogo não segue as mesmas regras de acordo com os jogadores envolvidos. As provas não passam de detalhe. Até o comentarista de extrema-direita Reinaldo Azevedo, que também leu a sentença, diz que não há provas. Cravou ainda na última sexta-feira: “Sergio Moro condenou o chefão petista sem provas. Não estão no processo ao menos”. Está perdendo audiência. O crime maior de Lula não é a corrupção, mas ter feito um pouco melhor que seus adversários como presidente. Não foi muito. Mas foi o bastante para ser odiado. O julgamento do século vai esquentar as ideologias. Prova já é ficção.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895