Método Kominsky

Método Kominsky

Série sobre a velhice diverte e faz pensar

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      Como Erasmo Carlos, que completou 80 anos de idade e não sai de casa, eu vejo notícias, futebol e séries. Mas não faço playlist de música. Ouço no Youtube e me basta. Uma série que me pegou é “O método Kominsky”, com Michael Douglas, Alan Arkin e Sarah Baker. Uma das vantagens de estar às portas da velhice oficial é poder dizer velhice sem eufemismos. Falo da minha nova categoria. A série trata da vida de dois velhos, um ator, transformado pelo fracasso em professor de teatro, e seu agente milionário. A velhice tornou-se meu tema favorito. Houve uma época, faz 20 anos, que era a crise dos 40. Escrevi até um livro sobre isso: “Para homens na crise dos 40 – e para mulheres interessadas em compreendê-los”.

      Passou essa crise. Quase desisti da série. Comédias me cansam rapidamente. Começo logo a achar besteirol. Sou dramático por natureza, trágico por formação e risonho só por falta de opção. Finalmente a série engrenou alternando piadas fáceis, humor mais sofisticado e momentos densos. Fala-se muito em próstata. Conheço bem o assunto. Tive minha segunda grande prostatite recentemente. Minha próstata, caso alguém pergunte, vai bem, obrigado. Fala-se também em problemas de memória. A minha já não é como antigamente. Esqueço facilmente as goleadas do Inter. Se bem entendi o “método Kominsky” é o pé na porta que o professor Sandy Kominsky (Douglas) mete sempre que acha necessário para clarear o tempo.

      Há dois tipos de velhice: estado de alma e cronológica. Sandy está na cronológica. Seu amigo Norman, mais velho, experimenta as duas. Velhos enfrentam um preconceito cruel: o etarismo. Os seus argumentos podem ser descartados não pelo que deixam de valer, mas pela idade do argumentador. Talvez seja necessário, vez ou outra, aplicar o “método Kominsky” com a gurizada cheia de certezas, que é o estado de alma mais comum no primeiro terço da vida. Na verdade, acho que a vida é dividida em quatro partes. Estou entrando na última (60-80 anos). A expectativa atual de vida já mostra que serão cinco. Conheço várias pessoas chegando aos cem anos.

      Kominsky ainda tem muitos desejos, inclusive sexuais. Norman, menos. Sandy é separado. Norman acaba de ficar viúvo. Tudo está dito. Sandy tem uma filha que namora um cara da idade dele. Norman tem uma filha drogada. Um caldeirão desses nunca para de fervilhar. A diferença entre Sandy e Norman é cristalina: o primeiro ainda precisa trabalhar para viver enquanto o segundo não sabe como ocupar a vida materialmente resolvida. Quanta gente não gostaria de estar nesta segunda situação. Parece fácil. Não é. Melhor, porém, assim. Serei acusado de spoiler. Nada mais grave. As duas coisas mais detestadas por alguns jovens: velhice e spoiler.

      A série é cheia de spoiler sobre a velhice. Antecipa o que muita gente vai sentir e ainda não sabe. O valor, por exemplo, do omeprazol. Outro dia um médico me perguntou por dever profissional: “Quanto remédios fixos toma?” Respondi que nenhum. Ele fez ar de não acreditar. Nem eu.


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