Machado de Assis e o botão da casaca

Machado de Assis e o botão da casaca

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      Numa das suas crônicas do período entre 1964 e 1867, Machado de Assis fala da aproximação do recesso parlamentar. O clima já é de folguedo. Salvo pelo fato de que o presidente do Conselho de Estado, o primeiro-ministro, Zacharias de Góis e Vasconcelos, não está de bom humor. Algo o aborrece tremendamente. Fazem-se apostas sobre o motivo da tromba exibida pelo chefe. Um especula que o problema vem dos negócio com o Rio da Prata. Outro, categórico, diz que não é isso:

– “Inclino-me a crer que a legação inglesa insta pela emancipação geral dos africanos livres, e S. Excia. está entre a espada e a parede. A situação, na verdade, é difícil, mas S. Excia. é homem superior, patriota, etc.”

      Fica claro quem dava as cartas: a Inglaterra. A menção aos africanos é feita assim mesmo, sem comoção. O cronista não era dado a indignações ou a um tom dramático. Um último especulador observa:

– “Aposto o meu lugar em como Sua Excia. está amofinado com outra coisa mais séria. Vê que a sessão legislativa está a findar-se, e que o orçamento não está pronto. Talvez não possa prorrogar a sessão, faute de combattsnts.”

Tudo que hoje se diz em inglês era então em francês. Cada época com suas potências e suas modas. O perigo, contudo, eram bem brasileiro: não ter quórum. O leitor atento deve tomado um choque: como assim coisa mais séria que a liberdade dos africanos? Alguém dirá, como tentativa de atenuante, que o orçamento da nação é coisa seríssima. O cronista apresentará a reviravolta que não imaginamos: “Sua Excia. tinha perdido um botão da casaca”. A explicação tentará ser convincente: “Em aparência o motivo é frívolo, mas bem examinado é dos mais poderosos”. Aparece um senador denunciando compra de votos, salvo em Itu, onde, por excesso de zelo, ao menos se devolvia o dinheiro ao primeiro comprador caso se encontrasse quem pagasse mais.

A “política amena” antecipa a política grave. Quem perde um botão pode perder também a casaca. O presidente do Conselho caiu três dias depois. Na crônica da semana seguinte, Machado de Assis relatou: “Já não é mais presidente do conselho o Sr. Zacharias de Góis. De um dia para outro faltou-lhe o apoio parlamentar. Era a consequência legítima da vida que levou. Não se trava do timão do Estado para fazer um passeio de gôndola veneziana, à luz dos archotes e ao som dos bandolins”. Góis ressuscitaria. Na queda em questão, ironiza o cronista, “sua agonia foi longa; durou trinta e seis horas; durante esse tempo morriam, antes que ele, as esperanças de que se manteve”.

A abolição só viria 24 anos e 16 gabinetes depois para alegria dos ingleses e tristeza dos proprietários, que queriam indenização. Machado de Assis publicaria crônicas por 40 anos. Moral da história: nunca se deve subestimar em política a perda de um botão de casaca. Sorte nossa que as casacas morreram, ainda que, em se tratando de moda, nada possa impedi-las de voltar, talvez com o parlamentarismo, sempre mais na nostalgia de quem não o viveu. Já se andou falando, sem qualquer moderação, em poder moderador. Carlos Bulhões, o terceiro colocado na consulta à comunidade universitária, é o novo reitor da UFRGS. O voto do deputado Bibo Nunes pesou mais do que os dos professores, estudantes e técnicos. Restam os botões. Eles nos contam uma história das conveniências ideológicas dos donos do poder.


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