Maradona , o verdadeiro mito

Maradona , o verdadeiro mito

D'Ale vai embora, morre Maradona, a vida fica mais chata

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      Que ano da peste! O futebol parou e voltou. Jogadores adoecem, mas o circo continua. Nesse turbilhão, D’Alessandro vai embora. Era sobre isso apenas que eu ia escrever. Aí morre Maradona. Acompanho futebol desde 1970. Adulto, fui repórter esportivo, setorista no Grêmio. Cobri partida do Brasil no estrangeiro nas eliminatórias para a Copa de 1990. Participei por anos de debates esportivos. Vi o Inter de 1975 e 1976, certamente o melhor de todos os tempos. Vi Fernandão liderar o colorado de 2006, campeão do mundo. Vi Maradona brilhar.

      Depois de Falcão, os dois jogadores que mais me encantaram pela técnica no Inter foram Nilmar e D’Alessandro. Nilmar fez, num jogo contra o Corinthians, o gol mais bonito que vi, só batido pelo de Maradona contra a Inglaterra. D’Alessandro pode ter sido menos importante do que Fernandão em títulos, mas tecnicamente sempre foi superior. Técnica é um conjunto de habilidades treinadas e de competências inatas. Os noetáticos perseguiram D’Alessandro. Ele não faz correria, joga à moda antiga, para, pensa, lança e dribla. Era preciso substituí-lo por uma lebre. D’Ale ficou, humilhado a cada dia com a justificativa de estar velho, sendo reserva de pernas de pau, entrando quando o barco afundava, coisas assim. Neotáticos acham que futebol é ciência. Tostão, que jogou muito e comenta mais do que todos, ensina a cada semana que futebol usa ciência, mas não é isso.

      Futebol vive também de acasos. O gol de Gabiru, no mundial de 2006, mostra aos neotáticos que o melhor pode vir de onde não se espera. Eles não compreendem. Quando o Brasil tomou 7 a 1 da Alemanha, entoaram o cântico da ciência germânica, do planejamento perfeito. A Alemanha tomou seis da Espanha outro dia. Onde foi parar a ciência? O neotático gosta de passe, que pode ser muito útil e faz parte do jogo, mas também é o recurso do covarde. D’Ale pertence à categoria dos que driblam, tiram para dançar, quebram linhas a golpes de individualidades que ajudam o coletivo, mas não se resumem a ele. Os gênios são solitários. D’Ale não é Maradona. Foi, porém, o melhor que o Inter teve neste século XXI. Custará muito a ser substituído. Sempre foi intenso e livre como um dez.

      Maradona foi, depois de Pelé, o maior artista que a natureza produziu para o futebol. Quero deixar a minha modesta homenagem a D’Alessandro e Maradona, meu agradecimento pelas alegrias com seus dribles, com seus gols, garra, gana, brigas. Com Maradona se vai uma época. Um dia a moda passa e o camisa dez clássico volta. Os neotáticos serão engolidos pelos pós-táticos. Tostão vencerá um tal de PVC. Maradona viverá para sempre no imaginário dos que amam a arte, não a tática, o suor, a mecânica, o esquema e a repetição. D’Ale ficará na memória colorada como uma ode à criatividade. Junto D’Ale e Maradona. Ouço rilhar de dentes. Vinhos diferentes. Espero que D’Ale viva muito. De Maradona só posso dizer: inesquecível, grandioso. Ele e Pelé são parâmetros para falar dos demais, a medida de tudo. Maradona morreu cedo. A sua fama se estenderá pela eternidade do futebol. O argentino foi um renascentista antes da decadência neotática.


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