Medalhas brasileiras

Medalhas brasileiras

Rebeca é ouro

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    Existem céticos e cínicos. Sim, leitor, ainda os há. Os céticos duvidam de tudo, menos dos seus interesses. Os cínicos debocham de tudo, menos da própria vaidade. Um cínico e um cético dialogavam:
– Para que serve pular mais alto do que os demais? Para que tanto esforço em nadar mais rápido do que todo mundo? – perguntou o cínico.
– Será que pulam e nadam mesmo? Não é ilusão? – questionou o cético.
    Os Jogos Olímpicos atropelam céticos e cínicos. Ítalo, Rayssa, Rebeca, Mayra Aguiar, Fernando Scheffer, Daniel Cargnin e Kelvin Hoelfler, nossos primeiros medalhistas em Tóquio, mostraram o valor de suas façanhas: trabalho, esforço, dedicação, talento, realização de sonhos. É comovente. Ser melhor do que os outros é metáfora de superação. Rebeca concentra essa disposição para vencer. Meninas, meninos, homens, mulheres, brancos, pretos, pardos, todos as cores, credos, idades, desejos. A Olímpiada ativa a nossa valorização do esforço e desperta os nossos sentimentos de justiça. A derrota da judoca Maria Portela, punida três vezes por falta de combatividade, uma das bases dessa modalidade, depois de ter aplicado um belo golpe que deveria ter-lhe dado a vitória, nos revoltou. Mesmo os não iniciados no judô entenderam que ela fez mais num gesto perceptível.
    Aí não entra o patriotismo rasteiro, mas o senso de justiça. O surfista Gabriel Medina também se sentiu prejudicado. Só que não foi tão claro assim e pareceu mais choradeira de perdedor do que reclamação justa. Embora os detalhes nos pareçam estranhos, na medida em que, em maioria, não seguimos de perto esses esportes, um espírito de honestidade se impõe. Por meio do jogo, na figura dos atletas, experimentamos sentimentos de coletividade, de beleza e de ética.
    Enquanto os podres poderes se reproduzem e pedaços da memória cultural se inflamam, os atletas atualizam um antigo ideal: o mérito. Esse mérito tem uma parte inata – um talento que se tem ou não – e outra parte construída: o treinamento, a disciplina, a obstinação. Sem trabalho, que é fruto de algo muito pessoal, o talento não frutifica.
    Há um esporte cada vez mais questionado na Olímpiada: o hipismo. O uso de cavalos adestrados à exaustão e que custam fortunas parece cada vez mais a muitos um anacronismo e uma inadequação inaceitável. O espírito olímpico remete, em princípio, a algo ao alcance de todos e capaz de destacar o esforço humano. O cético e o cínico sorriem. Acham que em todos os esportes é preciso dinheiro. Há certamente nas disputas olímpicas algo que nos seduz muito: a verdade. A ideia de que a vitória é uma verdade objetiva fascina num mundo de “narrativas” e fake news. Talvez por isso choque tanto saber que em alguns esportes a pontuação depende, em algum grau, da subjetividade dos julgadores. O esporte é bom para pensar. Ajuda a pensar sobre nossas categorias de hierarquização social, nossos parâmetros e nossos valores pessoais.

Rebeca ganhou duas medalhas. Uma de ouro. Não deu na terceira. Já faz parte da história. É sonho realizado.
    O cético, desolado com o nosso entusiasmo pela Olimpíada, esse arroubo que nos arranca do egoísmo e inclina para o outro, comenta:
– Duvido!
– Tenho certeza _ ironiza o cínico.

 


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