Minha rotina no isolamento

Minha rotina no isolamento

Método para suportar as restrições

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      Para suportar a quarentena eu me impus uma rotina meticulosa. Acordo, tomo banho, tomo café, leio de cinco a sete jornais, o Correio do Povo impresso e mais de quatro a seis versões digitais: Folha de S. Paulo, Estadão de S. Paulo, O Globo e os franceses Le Figaro, Le Monde e Libération. Às vezes, leio também El País. Ouço a Rádio Guaíba. Acesso artigos que me aparecem no twitter. De manhã, escrevo um pouco. À tarde, passo algumas horas dedicado a ler algum livro, especialmente romances. Quero intrigas, reviravoltas, vida, acontecimentos.

      Final de tarde é hora de ver um filme no Now ou na Netflix. Uma boa pedida, mais uma sugestão do generoso médico e escritor Gilberto Schwartsmann, que me ampara com a sua sabedoria e com a sua sensibilidade artística e existencial, foi “Picasso e o roubo da Mona Lisa”. Outra: "Os vestígios do dia". Mais um: "Época da inocência". Adorei as disputas entre Picasso e Matisse sobre estética. À noite, um telejornal, apesar da dor que me causam as notícias sobre mortes por coronavírus, e uma novela. Depois, sempre na mesma hora, cama. Meu isolamento tem sido na minha biblioteca/escritório. Vou do computador para a poltrona de leitura muitas vezes. Cláudia me manda caminhar um pouco pela casa e fazer alguns exercícios para melhorar a voz. Olho as ruas do Bom Fim e me comovo pensando em dias passados. Começarei a camainhar na esteira sonhando com a Redenção.

      Quando fico ansioso, vejo um velho jogo de futebol na televisão e me acalmo. O esporte tem esse poder sobre mim. Gosto de ter metas de programação. Saber que dia tal, na hora tal, terei algo para ver. Nos jornais, a cada dia, procuro informações sobre vacinas para o coronavírus. A mais adiantada é a da Universidade de Oxford, que já teve a primeira bateria aplicada em humanos. É algo incrível. Para funcionar, precisa de voluntários que estejam expostos ao vírus. Aprendi o nome da pesquisadora Sarah Gilbert, responsável pela equipe que realizou a primeira parte do projeto, e torço que ela se torne uma celebridade mundial em poucos meses com a vacina que representará a libertação da humanidade. Faz três meses que Oxford trabalha para realizar uma façanha, a mais rápida solução para uma pandemia cruel. A ciência tornou-se nossa esperança e nosso futuro.

      Estar ocupado é vital. Preciso pensar que faço coisas diferentes, que alterno atividades, que mantenho um ritmo, que me consumo, que sou útil, que faço coisas que fazem sentido. Dialogo muito pelo whatsapp. Não fazia muito isso antes. Sem essas interações cheias de afeto seria quase insuportável ficar tanto tempo confinado e preocupado. Os dias têm sido lindos, ensolarados, embora hoje esteja nublado, e isso ajuda a manter o psicológico em dia na medida do possível. Sinto falta da liberdade de ir e vir, da efervescência das ruas, dos encontros inesperados, da antiga rotina e das minhas certezas. Eram tantas e tão confortáveis.

      Cochilo e sonho com a abertura de um telejornal: “Descoberta a vacina para o coronavírus”. Certas vezes, a vacina vira um remédio. Retomo os meus afazeres. Quero voltar integralmente ao trabalho virtua para me sentir imerso neste novo mundo.  Há dias em que homens como Jair Bolsonaro e Sérgio Moro roubam a cena e desmontam a minha rotina. Mas preenchem o tempo fartamente.

Viver continua sendo uma preciosidade.


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