Moro atolado e uma crônica

Moro atolado e uma crônica

É normal juiz colaborar com a acusação?

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The Intercept atacou novamente. Mostrou Moro reclamando de desempenho de procuradora. Revelou que Daltan Dallagnol e Carlos Santos Lima trataram de substituir a procuradora de mau desempenhou, que não foi mais escalada para inquirir Lula.

É normal que:

1) Juiz oriente à acusação para melhorar desempenho de inquiridor?

2) Juiz dê recomendações à acusação sobre treinamento de procuradores?

3) Juiz tenha procuradores de estimação?

4) Juiz colabore com uma das partes?

5) Juiz troque segredinhos com a acusação e peça reserva?

6) Procuradores recomendem apagar conversa com juiz e não deixar ninguém ver as mensagens trocadas?

7) Procuradores atendam sugestões implícita de juiz e afastem colega?

8) Fins justifiquem os meios na justiça?

9) Ideeologia tome o lugar da racionalidade?

10) Juiz trabalhe junto com a acusação na constituição das provas?

11) Juiz vire ministro, depois de mandar prender principal concorrente ao cargo, e continue no cargo de ministro depois de revelações mostrando sua colaboração com a acusação?

12) A grande mídia minimize as revelações?

*

Levar vantagem

 

      Hipermodernidade é a vida de todo dia em aceleração máxima. A tecnologia permite coisas fantásticas. Tive uma conversa antológica com atendentes da minha operadora de celular. Uma moça simpática me ofereceu um novo plano. Eu pagaria em torno de R$ 40 a mais e teria 15 mega em vez de dez, além de poder agregar um dependente à minha linha. Fiquei deslumbrado. Que bela vantagem. Ainda mais que tenho pago sempre acima do previsto no meu plano por causa de alguma ligação internacional. Havia só dois inconvenientes para aceitar a mudança: não tenho quem agregar à minha linha e de dez mega de internet eu gasto apenas um por mês. Uau! Mesmo assim, aceitei.

      A moça me enviou para o passo seguinte: a instância de confirmação. Caí num rapaz muito sincero. Ele estranhou a situação:

– Esse novo plano não muda nada na sua vida – disse.

      Depois de alguns esclarecimentos, desisti. Pensei com meus mega: que empresa incrível. Um vende, o outro muito profissionalmente desfaz a venda. Alguns minutos depois, a moça me ligou furiosa. Queria saber a razão da minha desistência. Expliquei. Ela disse que o rapaz estava errado. Avisou que me passaria para outra pessoa na instância de confirmação. Caí numa moça de linguagem ainda mais franca. Ela me exigiu as informações de sempre em tom metálico.

– O senhor confirma ou não a mudança?

– Bem, para que eu quero pagar para agregar uma linha se não tenho quem botar nisso? Para que mais internet se não gasto o que tenho?

– Quer ou não a mudança?

– A senhora não respondeu o que perguntei.

– Quem tem de responder é o senhor. Quem tem de saber se precisa de mais internet é o senhor. Eu não posso responder pelas suas necessidades. Quer ou não o novo plano que lhe foi oferecido?

– Não quero o plano – afirmei.

      Concluída a operação, fiquei pensando: que departamento fantástico esse de confirmação de vendas da minha operadora! Preciso avaliá-lo com nota máxima. Nunca tinha sido atendido por duas pessoas tão sinceras, embora certamente pouco interessantes para os negócios da empresa. Talvez possam responder a outras dúvidas que tenho carregado ao longo desta minha vida hipermoderna cibernética: por que pago por dez mega de internet se só gasto um? Por que não posso pagar somente pelo que consumo? Por que operadoras podem entregar menos do que contratam e nós temos de pagar por mais do que consumimos? Por que alguém tenta vender mais internet a quem já tem sobrando?

      Creio que dia desses ligarei para o serviço de confirmação de vendas da minha operadora só para ter conversas sinceras. Neste mundo de tanta falsidade, um departamento desses, entre nós, vale ouro. Serão treinados para falar tão francamente? Estavam de mau humor? Terão se engalfinhado com a moça das vendas depois do fracasso do meu caso? Só faltou um deles ter perguntado para mim ironicamente:

– Por que o senhor ainda faz ligações internacionais pagando?

      Eu teria de explicar que alguns dos meus interlocutores, por razões ideológicas ou metafísicas, não usam Skype nem WhatsApp. Teria de dar nomes. Seria desgastante. Continuo igual. Não fui dez para 15.

 

 


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