Moro, de herói a traidor

Moro, de herói a traidor

Ex-juiz e ex-ministro experimenta a dor e a delícia de ser o que é

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      Se um filme for feito sobre a vida de Sérgio Moro, a música do protagonista terá de ser aquela do Chico Buarque: “Agora eu era o herói/E o meu cavalo só falava inglês/A noiva do caubói era você além das outras três/Eu enfrentava os batalhões/Os alemães e seus canhões/Guardava o meu bodoque/E ensaiava o rock para as matinês”. Bem, a direita odeia Chico Buarque. Moro se acha o cara mais malandro do mundo. Tinha certeza de que botaria Jair Bolsonaro no bolso. Está tentando. Jogou os seus dados. Só não contava que passaria de herói à “traíra” em tão pouco tempo. O bolsonarista raiz não amava tanto Moro quando dizia. A corrupção alheia era um bom pretexto para ganhar votos.

      A imagem de Moro na fatídica reunião ministerial de 22 de abril é a que caracteriza a sua passagem pelo ministério da Justiça: silencioso, omisso e de braços cruzados. O que disse Moro sobre a denúncia de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativo do Rio de Janeiro? Nada. Não era da sua alçada. Claro, claro. Alguém lembra das palavras de Moro sobre a execução do miliciano Adriano, cuja família, mãe e mulher, Flávio havia empregado? Quais foram as declarações de Moro sobre o sumiço de Queiroz? Bem entendido, não eram coisas da sua seara. Claro, claro. Na reunião, Moro ouviu um colega defender a prisão dos ministros do STF. Reagiu? Calou-se.

      O morista de plantão pode correr em seu socorro: ele denunciou a interferência de Bolsonaro na Polícia Federal e pediu o boné. Demorou. Antes tarde do que nunca, insistirá o lavajatista convicto. Já o bolsonarista de carteirinha jura que Moro calculou tudo para pavimentar o seu caminho eleitoral. Concorrerá à presidência da República? Ou preferirá a segurança de uma cadeira no Senado? Tentará ser governador do Paraná ou não aceitará nada menos do que tudo? Moro tem uma obsessão: acabar com a corrupção. O bolsonarismo tem outras prioridades: enfrentar o comunismo, destruir a ideologia de gênero, desmontar a legislação ambiental, levar ao extremo a guerra cultural, salvar os supostos valores ocidentais, militarizar a educação, proteger a figura sagrada do “mito”, atacar a ideia de “povos e territórios indígenas”, lutar contra o “globalismo”, relativizar a pandemia.

      Sérgio Moro entrou com pressa e saiu lentamente. De caso pensado? Ao Esfera Pública, na Rádio Guaíba, o ministro Gilmar Mandes, do STF, repetiu que a Lava Jato é a mãe do autoristarismo bolsonarista no poder. Toma que o filho é teu, Moro. Nas casas de apostas, o grande lance é acertar esta resposta: quem é mais esperto, Moro ou Bolsonaro? A direita rachou. Há quem critique a confiança da esquerda nas provas de Moro contra Bolsonaro. “Agora prova de Moro vale, né?” Prova depende de consistência, não de denunciante. Bolsonaro avisou Moro que demitiriaa o diretor-geral da PF. Queria mudar o superintendente do Rio. Na reunião, afirmou que interferia nos ministérios e olhou para Moro. Incomodado, Moro saiu do governo. Bolsonaro trocou o diretor-geral da PF, que mudou o superintendente do Rio. Depois disso, a PF de Bolsonaro fez operação contra o governador inimigo do presidente, Wilson Witzel. Pura coincidência, claro. E a pF do STF fez operação contra os acusados de financiar e disseminar fake news do bolsonarismo. Mais um concidência, por suposto. Precisa desenhar?


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