Mourão e o cheiro de golpe

Mourão e o cheiro de golpe

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Entre nós o passado é sempre uma ameaça. Quanto mais falamos de futuro, mais assombrações antigas nos aparecem. Costumam vir fardadas. Somos um cemitério de ressentimentos e de soluções que só servem para agravar os problemas. A tentação autoritária é a nossa marca. Toda hora um simplório sai da toca e propõe eliminar a complexidade da vida com um passe de mágica. De mágica, não? De violência. Cumprir a regra do jogo não encanta. Certas manchetes parecem extraídas de jornais dos anos 1950 e 1960.

A história se repete como pesadelo. Os militares ainda não desistiram de fazer política e politicagem. Depois da ditadura implantada por eles em 1964, de nefasta memória e saldo desastroso, esperava-se que se acomodassem nas casernas ao papel que lhes dá a Constituição Federal e não voltassem para nos apavorar. Não. O comandante do Exército, general Villas-Boas, depois do atentado contra Jair Bolsonaro, disparou uma declaração maliciosamente ambígua:  “Nós estamos agora construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada". Por quem?

Já o general Mourão, candidato a vice-presidente na chapa do capitão Bolsonaro, não para de fazer estragos. Atua como um elefante de coturno numa loja de cristais da democracia. Num dia, ofende índios, chamados de indolentes, e negros, supostos herdeiros da malandragem africana; no outro, admite a possibilidade de um autogolpe por um presidente amigo das ditaduras. Não satisfeito, propõe a elaboração de uma nova Constituição sem uma Assembleia Constituinte. Uma Carta Magna feita sob encomenda por um grupo de notáveis da confiança do chefe do Executivo. A legitimação do texto se daria por consulta à população. Um atalho típico de Estado autoritário. Coisa que nem o destrambelhado regime venezuelano ousou. A conclusão é simples: cheiro de golpe.

Tem cheiro de golpe, cara de golpe e ameaça de golpe.

Mourão deu um coice na democracia e saiu sorrindo feliz como se tivesse dito algo inteligente: “Não precisa de Constituinte. Fazemos um conselho de notáveis e depois submetemos a plebiscito. Uma constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”. Esta frase final é um tratado completo de autoritarismo. Uma declaração de guerra à democracia. A direita perdeu a vergonha de defender em público as suas paixões mais extremistas. A desfaçatez é tanta que até colunistas conservadoras saltaram do barco. Reinado Azevedo não se conteve. Segundo ele, “tanques e togas tentam cercar a democracia brasileira”. Azevedo jamais será um esquerdopata.

É de Reinaldo Azevedo, que deve ter batido a cabeça e acordado para o mundo, este parágrafo assustador e verdadeiro: “Há duas semanas, denunciei nesta coluna o movimento empreendido pelo Ministério Público — na verdade, pelo Partido da Polícia — para interferir nas eleições. Dados forma, calendário e argumentação contida nas petições, as investidas contra Geraldo Alckmin, Fernando Haddad e Beto Richa são brocados de um Estado fascista. Notem que não assevero inocências e culpas. Cobro é o devido processo legal”.

A aplicação de uma ideia simples resolveria muitos impasses: deixem a população escolher livremente os seus governantes. É tudo. Ou, como diz a sabedoria musical popular, cada um no seu quadrado.

Mas não é assim que acontece. Jair Bolsonaro denuncia do seu leito hospitalar a possibilidade de uma fraude nas urnas. Sente que vai perder e tenta um golpe preventivo. O perigo é ele, não a urna eletrônica.

Para coroar a loucura um grupo de ignorantes contesta a Embaixada de Alemanha, que apresenta corretamente o nazismo como uma ideologia de extrema-direita, sustentando que Hitler era de esquerda. Afinal, implantou o nacional-socialismo. Devem ser todos da Escola sem Partido. Um pessoal que esbanja incultura. E se orgulha.

Tem cheiro de golpe no ar.

Cheiro de golpe clássico.

Ainda tem jeito: é só injetar votos na veia da democracia contra a tentação golpista.

 

 

 

 

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