Mulheres segundo Galeano

Mulheres segundo Galeano

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Essas mulheres

 

      Em “Mulheres” (L&PM), livro de Eduardo Galeano, desfilam personagens femininas rebeldes, anônimas, famosas, desconcertantes, históricas, apaixonantes, assustadoras, tudo. Lá estão Isadora Duncan, Frida Kahlo, Sarah Bernhardt, Carmen Miranda, Josephine Baker, Emily Dickinson, Joana, a louca, Chiquinha Gonzaga, Camille Claudel, as mães da Praça de Maio, chamadas também de loucas, Louise Michel, Teresa de Ávila, Evita Perón, Marilyn Monroe e tantas outras que fazem parte da História ou que surgem em histórias que ainda assombram os machos.

As índias kunas do Panamá foram perseguidas para que abandonassem seus costumes selvagens e adotassem os modos de vida ocidentais civilizados e racionais. Assim se decidiu: “As índias kunas nunca mais pintarão o nariz, e sim as faces, e já não usarão argolas no nariz, e sim nas orelhas. E já não vestirão molas, e sim vestidos civilizados”. Está tudo aí nessa breve aula de antropologia. Onde já se viu pintar o nariz e não os lábios? Onde já viu pendurar enfeites no nariz e não nas orelhas? Onde já se viu ter a própria religião?

Galeano fez parte do Tribunal Internacional que, em Estocolmo, em 1981, tratou da invasão do Afeganistão pelas tropas soviéticas. Ele e seus colegas ouviram a queixa de um ancião muçulmano: “Os comunistas desonraram nossas filhas! Ensinaram elas a ler e escrever”. Emma Goldman, a anarquista, foi mandada embora dos Estados Unidos em 1919, considerada “estrangeira de alta periculosidade”: opunha-se ao serviço militar obrigatório, estimulava greves e difundia métodos contraceptivos pois entendia que sexo não era só para procriação. Além disso, fazia frases como esta: “Se o voto mudasse alguma coisa, seria ilegal”. Ou esta: “Todas as guerras são guerras entre ladrões demasiado covardes para lutar, que mandam outros morrer por eles”.

O mundo era dos homens e eles pretendiam que assim fosse para sempre. Não contavam com a resistências das mulheres. Nellie Bly decidiu que jornalismo era coisa de mulher. Deu a volta ao mundo em 72 dias, em 1889, inspirando-se na ficção de Jules Verne, fazendo reportagens. Nunca mais parou: “Para escrever sobre as fábricas, trabalhou como operária. Para escrever sobre as prisões, se fez prender por roubo. Para escrever sobre os manicômios, simulou loucura, e atuou tão bem que os médicos a declararam louca de pedra, e assim conseguiu denunciar os tratamentos psiquiátricos que padeceu, capazes de enlouquecer qualquer um”. Editores queriam que ela escrevesse sobre moda. Ela preferia falar das condições do trabalho de operárias.

Foi chamada de puta. Mata Hari é a mais famosa espiã. Deitava-se com uns e vendia seus segredos a outros. Foi condenada à morte. Atirou beijos para o pelotão de fuzilamento: “Oito dos doze soldados erraram o tiro”. A equatoriana Manuela desafiou um tenente para um duelo e o humilhou. Sem vendas nos olhos diante do pelotão de fuzilamento, perguntada se tinha algo a declarar, respondeu com lacônica altivez: “Manapi”. Nada. Apenas isso. Eduardo Galeano rende a sua homenagem às mulheres em textos curtos, até mesmo muito curtos: “Eu adormeço às margens de uma mulher: eu adormeço às margens de um abismo”. Idem.

 

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