Na pele de Lázaro Ramos

Na pele de Lázaro Ramos

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Wagner Machado da Silva, que faz mestrado na Famecos sob minha orientação, me presenteou com um exemplar de “Na minha pele”, livro do ator Lázaro Ramos. Li de uma sentada. Terminei meditativo. Texto simples e forte. Uma breve autobiografia sem a pretensão de ser uma. O tema central é a negritude do autor. Não, o tema crucial é “ser negro no Brasil”. Lázaro começa salientando o quanto pesa ser tratado o tempo todo de “ator negro”. Ninguém fala em “ator branco”. Quase ao final ele faz uma pergunta frontal a ser respondida pelo leitor: “É, foi ou será bom ser negro no Brasil?” A resposta vem em forma de uma vontade que sem se concretizar não deixa de se materializar: “Me dá vontade de responder categoricamente: NÃO É, NUNCA FOI E NUNCA SERÁ”. Dito isso, há uma relativização, pois conquistas aconteceram.

Lázaro Ramos sabe que é exceção.

Negro, vindo de família pobre, conseguiu se tornar um ator bem-sucedido. O percurso do combatente, porém, não foi curto. Ele examina os infinitos percursos do preconceito. Passa por elementos conhecidos, mas que persistem. Um exemplo: “O índice de negros na publicidade é muito pequeno. Se nós fôssemos refletir a realidade, como a população negra representa aproximadamente 54% da população total, na publicidade deveríamos ter então pelo menos 50% de negros. Eles não chegam a 15%”. Lázaro e sua mulher Taís Araújo fazem propaganda em horário nobre. O que isso significa? Que falar em preconceito é mimimi? Que quem luta vence?

Não. A maioria luta muito e não vence. A exclusão é estrutural. Entre as tentas histórias e referência citadas no livro uma, baseada numa declaração da escritora Conceição Evaristo, é marcante: “Devemos fazer uma leitura de que somos exceção. Quando nos prendemos muito a esse elogia da história pessoal (‘ela veio da favela e conseguiu’). Corremos o risco de dizer que o outro não conseguiu porque não quis, e isso não é verdade. A exceção simplesmente confirma a regra”. A prova disso é que nas novelas de televisão negros continuam fazendo majoritariamente papéis subalternos. O cinismo diz que é por realismo.

A introjeção do preconceito é perversa. Crianças negras submetidas a um teste para dizer qual boneca é mais bonita indicam a boneca branca, e qual é má, apontam a boneca negra. Quando perguntadas com qual boneca se parecem, fixam a negra. Nada é por acaso. O preconceito é uma construção histórica multissecular. Outro ponto do livro que me pegou é uma citação sobre os oito personagens típicos de negro na televisão: mãe preta, empregada doméstica espevitada, fiel amigo do jagunço, escravo, negra fogosa, malandro, negro perfeito (para branco admirar) e negro escada (para branco subir). Clássicos.

O relato de Lázaro Ramos tem leveza e tristeza. O vencedor faz o balanço das suas lutas. Conta das tantas vezes em que foi vítima de discriminação. Confessa que já ficou sem resposta diante da complexidade da questão abordada. Segui o ritmo da narração. Senti emoção. Colhi verdades. A luta continua. O Brasil vive um momento extremo de combate ao racismo, ao machismo e à homofobia. Vai longe. Basta pensar no caso William Waack, o jornalismo ídolo da direita pego em flagrante de racismo disparando um "isso é coisa de preto". A diferença é que a conta começa a chegar.

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