Nosso medo da velhice

Nosso medo da velhice

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Participei de um bom seminário organizado pela Faculdade de Educação da UFRGS e o SESC Canoas sobre a velhice. Ou melhoridade. Ou terceira idade. Soube que havia lá um simulador de idade. A pessoa poderia ver como é ter 85 anos. Perguntei como era. Fiquei sabendo que eram colocados pesos nos pés, tampões nos ouvidos, alguma coisa para diminuir a visão e luvas para tirar a sensibilidade dos dedos. A descrição foi suficiente para mim. Não me atrevi a experimentar. Certamente essa parte, com tais características, já deve ser a pós-melhoridade. Não gosto de eufemismos. Velhice me parece muito bem.

Há um novo discurso sobre a velhice. Gosto dele. Valoriza a vida. Manda aproveitar. Por outro lado, interiorano que sou, apegado a velhas tradições familiares, tenho dificuldades em aceitar certas modernidades como a do filho que colocou o pai, um velhinho pequeno e encarquilhado na clínica, e passou a passear duas vezes por dia com seu cão dinamarquês, de quem obviamente limpa o cocô todo o tempo. Assim parece que não gosto dos animais. Gosto. Na verdade, em tempos de pós-humano, revela o meu humanismo anacrônico. Se pais não colocam bebês numa instituição para que cresçam sem lhes atrapalhar em tudo que desejam e precisam fazer, por que filhos colocam pais em clínicas?

Sim, há situações em que a doença exige cuidados tão especiais que só profissionais num lugar especializado dão conta do recado. As desovas de idosos vão bem além disso. A minha hipótese é antipática: o egoísmo cresceu e venceu o ciclo tradicional em que pai cuidava de filho e filho cuidava de pai. Em certos casos, as pessoas precisam trabalhar e não têm tempo para se ocupar dos seus velhinhos. Em outros, são ricas o suficiente para terceirizar a tarefa limitando-se a uma visita semanal de cortesia. Não julgo. Questiono. Claro, com certa inclinação para a rejeição. Sou assim. Cheio de pontos de vista.

O novo discurso de valorização da velhice enfrenta a artilharia pesada da publicidade em favor da juventude. Ser jovem é apresentado como a essência de tudo. A mídia, empurrada pelas redes sociais, vem fazendo malabarismos para rejuvenescer. Juventude é rapidez, leveza, agilidade, bom humor, coloquialidade e tantos outros termos sempre positivos. Fica subentendido que juventude é vida. Dizer que também é superficialidade, pressa e arrogância pega mal. Coisa de velho ressentido. O conflito não para de se escancarar. Velhos são estimulados a viver como jovens. Esse é o parâmetro. Não seria possível viver como velho sem ser infeliz e fazendo coisas legais?

Tateio. Não sei. Certamente irei para uma clínica um dia. Nem filhos tenho para tentar a sorte. Confesso, nesta divagação perigosamente sincera, que espero ser salvo por um ataque fulminante. Digo isso em caráter muito particular. Sei que se tornou politicamente incorreto temer a velhice ou ter filhos esperando que eles retribuam os cuidados recebidos na infância. Não se pode ser utilitarista. Cada vez mais pais sustentam ou ajudam filhos até mais tarde, que parecem buscar se livrar dos pais o mais cedo que podem. Tempos hipermodernos.

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