O ano de 2019 em pedaços

O ano de 2019 em pedaços

Uma retrospectiva introspectiva

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  Foi um ano muito intenso: sonhei que o Internacional ganharia a Copa do Brasil, decidida em Gre-Nal, e a Libertadores. Fiquei feliz com a vaga na pré-Libertadores da América. Fui muito ao cinema. Dormi em Bacurau, fechei os olhos nas cenas mais violentas de Coringa, quase vomitei nas facadas de Parasita, gostei de ver Tabacaria, conversei com cineastas, que me pareceram estar em outras telas. Reencontrei amigos que não via fazia 40 anos, desencontrei-me de gente que vejo todo dia, ouvi especialistas afirmarem que o Brasil está cansado de polarização enquanto polarizavam com outros especialistas oponentes.

      Acompanhei a guinada da Argentina para a esquerda, a do Uruguai para a direita, a da Bolívia para o nada e a do Chile para o caos. Vi de olhos esbugalhados o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, com seu Posto Ipiranga, o falastrão Paulo Guedes, inflamando o ambiente com uma defesa enviesada do AI-5 e outra da tributação do seguro-desemprego para ajudar a criar empregos. Gastei horas assistindo a votações no STF e aprendendo a falar “tofolês”, uma língua que permite pensar uma coisa, dizer outra e ser entendido de outro modo ainda, com direito a nota de esclarecimento para contradizer em poucas linhas o dissertado em quatro horas. Foi muito instrutivo e pouco operacional. O “tofolês” é mais difícil de aprender que o javanês, que invento.

      Vi Lula sair da cadeia e ser condenado de novo em segunda instância pelo TRf-4, ouvi Eduardo Suplicy cantar Bob Dylan no Esfera Pública, li bons e maus livros, palestrei por toda parte e, vez ou outra, me perguntei: o que estou fazendo aqui? Por aqui, claro, entenda-se este mundo de redes sociais, comportamentos associais, inteligência artificial, estupidez natural. Fiquei sabendo que Leonardo di Caprio teria pago para colocar fogo na Amazônia, que Lula teria 300 milhões em bancos cubanos ou venezuelanos, o que só não se consegue provar porque esses comunistas nunca aceitam colaborar imparcialmente com a Lava Jato passando informações a procuradores como Januário Paludo, delatado pelo doleiro Dario Messer como tendo recebido propina para ser generoso com a banda podre em apuros.

      Aguardei o depoimento presencial do Queiroz ao Ministério Público e a queda do dólar com a aprovação das reformas governamentais. Publiquei dois livros, “Ser feliz é tudo que se quer” e “Acordei negro”, enquanto me organizava para escrever outro. Recebi a Medalha do Mérito Farroupilha da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, fui novamente patrono de feira do livro e imaginei nas estradas que ficaríamos sabendo definitivamente quem mandou matar Marielle. Saltei de quatro anos da aposentadoria para nove anos, o que adiará o meu retorno cada vez mais desejado à bucólica Palomas. 

      Aprendi, mais uma vez, que em direito tudo é possível, toda tese é sustentável, onde está escrito A se pode ler B, tudo depende de quantos votos se tem para aprovar a matéria. Só me faltou uma coisa: tempo para acompanhar todas as revelações bombásticas do Intercept.

Afetos –  Vi e ouviu coisas do arco da idosa. O presidente da República dizendo a um jornalista que o dito cujo tinha uma “cara de homossexual terrível” e enfrentando repórter com uma chinelagem quando questionado sobre os problemas do filho, o senador Flávio Bolsonaro, com o Ministério Público do Rio de Janeiro: “Oh rapaz, pergunta para a tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai, tá certo?" Em tempos pós-tudo, um presidente para além do decoro e liturgia do cargo.

      Um português, Jorge Jesus, ensinou os brasileiros a acreditar de novo em futebol bonito e ofensivo. No plano pessoal, muitas alegrias. Meus sobrinhos Leonardo e Carol, filhos da minha irmã mais moça, a Regina, formaram-se. Leo, na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, em Psicologia. Carol, em medicina, na Universidade de Caxias do Sul. Agora, na família do cabo Vito, meu falecido pai, brigadiano, e da Eneida, minha mãe, dona de casa, já tem professores, jornalistas, advogados, psicólogo e nossa primeira médica. Carol, jovem, inteligente e bonita, tem um belo futuro para trilhar. Ela é fruto da sua determinação, do seu talento, da sua luta – assim como dos sacrifícios da mãe e do apoio do pai – e do Prouni. Um imenso orgulho para a família toda. É incrível como a educação como política pública pode transformar vidas, abrir caminhos e trazer alegrias.

      Há muito que eu aprendi o óbvio: só a educação transforma a vida da maioria. Se me perguntassem o que me eu preferiria, ganhar numa loteria ou aplaudir os diplomas dos sobrinhos? Nenhuma dúvida. Eu ficaria com os triunfos da gurizada. Mesmo discreto, que não sou de muitas demonstrações, embora quisesse, fiquei emocionado. Um dia, quem sabe, um filho da Carol também será médico. Alguém dirá: tradição de família. Não é a medicina em si que importa, mas o símbolo da conquista. A educação é o melhor elevador social já inventado. Ela deve servir para diminuir desigualdades e semear sonhos e realidades.

Uma bela paisagem depois da moldura e do vidro contra os quais nos chocamos.


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