O caso Aranha, ou perdão, uma ova

O caso Aranha, ou perdão, uma ova

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Por Marcelo Rocha


O escritor Ricardo Lísias acerta em cheio ao dizer que o goleiro Aranha não age como um brasileiro típico. Para Lísias, as etapas para a resolução de conflitos no Brasil seguem um percurso habitual: o incidente, a tensão, os famigerados “panos quentes” e a resolução pelo afeto. Nesse sentido, não é raro, também, que aquele que cometa um crime - ou mesmo uma agressão considerada menor - arrependa-se depois, chore e, compungido, prometa nunca mais reiterar o erro. Ocorre, assim, uma inversão de papeis, o agressor transforma-se em vítima e a vítima, quando não aceita abraçar aquele que a ofendeu, é configurada como vilã da história.


 


No caso do goleiro Aranha, o roteiro foi mais ou menos esse. Além disso, boa parte da mídia torcia pelo encontro da torcedora arrependida com o arqueiro do Santos para encerrar, de maneira folhetinesca, mais um episódio da propalada e harmônica democracia racial brasileira. Gilberto Freyre estaria, mais uma vez, certo e tudo voltaria ao seu lugar. Mas a bola bateu na trave. Aranha não aceitou as desculpas, não levou gol e saiu de cabeça erguida sob os apupos da torcida tricolor.


 


Certa vez, fiz uma pesquisa, com uma aluna do Serviço Social, sobre a violência, no âmbito familiar, e os resultados aproximam-se das etapas aduzidas no “caso Aranha”. Os estágios pelos quais passam os que praticam e sofrem atos violentos, em uma relação conjugal, podem ser resumidos em três fases: a acumulação das tensões, o episódio das agressões e a conduta arrependida. Depois do arrependimento, por parte do agressor, a vítima nutre a esperança de uma mudança de comportamento o que, com frequência, não ocorre. Dessa forma, o ciclo se repete até a vítima resolver, finalmente, rompê-lo.


 


Infelizmente, estamos habituados a um hábito cotidiano conciliatório em que a ação crítica é confundida com casmurrice, radicalidade ou intransigência. O goleiro do Santos saiu da meta e nos fez pensar. Sou gaúcho, sou gremista e te aplaudo, Aranha. Aos racistas: perdão uma ova.


* Pós-Doutor em Educação (Cnpq/PUCRS)


Prof. Adjunto III da Universidade Federal do Pampa - Campus São Borja


Integrante do Grupo de Pesquisa em História da Mídia (GPHM) Unipampa/Cnpq


Integrante do Projeto de Extensão em Cinema: Sessão Pipoquinha (Unipampa)



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