O comunista e o liberal

O comunista e o liberal

Personagens de um país simplificado

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Comunista

 

      O liberal encontra o comunista e resolve colocar os pingos nos is. Faz tempo que tem uma porção de coisas a dizer ao vizinho. É uma questão de honra e de oportunidade. Parte para cima com um direto no queixo.

–– Não funciona.

– Como?

– O comunismo não funciona.

O comunista entende a situação. Busca o melhor ângulo de defesa. Sente que será uma luta difícil. O momento não é bom para comunistas.

– Pode não ter funcionado. Não significa que não vá funcionar – diz.

– É um fracasso. Gera pobreza, ditaduras e genocídios – ataca o liberal.

– O capitalismo também teus seus problemas.

– O comunismo só tem problemas.

      O comunista começa a suar. Sente que não há espaço para brincadeiras. O liberal está determinado a nocauteá-lo. Tenta conciliar:

– Não apoio ditaduras de esquerda nem de direita.

– Apoia a ditadura do proletariado, que é a da classe dirigente.

– Defendo um socialismo democrático.

– Isso não existe. O comunismo é sempre autoritário. Contraria a natureza humana. Desfavorece o mérito. Desrespeita as leis da natureza. Prefere a rigidez ineficaz do planejamento centralizado à complexidade eficaz das infinitas interações espontâneas das pessoas no exercício da liberdade.

      O caldo engrossa. Trovejam insultos. O comunista tenta mostrar que o capitalismo produz injustiças. Cita favelas, gente com fome e miséria.

– Vai pra Cuba, cara. Vai pra Coreia do Norte. Pra Venezuela.

– Quero ficar no meu país.

– Só nas democracias capitalistas é que comunista pode ficar defendendo um sistema falido, totalitário e cruel. Tenta ser oposição em Cuba, vai!

      A batalha está perdida. O comunista ainda tenta falar em concentração de renda, em desigualdade social, na violência urbana, na luta de classes e na utopia de um mundo de harmonia e cooperação total.

– Cai na real, tchê. Não funciona. Foi só estrago.

      Toca o telefone do comunista. Ele saca um i-phone do bolso. O liberal começa a rir. Dobra-se de rir. Dá o comunista por nocauteado.

– Comunista de i-phone!

– Qual o problema? Não sou contra a tecnologia!

– Só o capitalismo fornece esses brinquedinhos adoráveis.

– O comunismo quer i-phone pra todo mundo.

– Pode querer. Só o capitalismo entrega.

– Pra todo mundo, não.

– O comunismo só entrega pro ditador e sua corja.

      O comunista bate em retirada. Precisa evitar os liberais. Essas discussões sempre terminam em aumento das suas sessões de terapia.

 

Liberal

 

      O liberal encontra um velho amigo e queixa-se dos jovens. Não entende o esquerdismo da juventude depois dos fracassos do comunismo.

– Por que o liberalismo não encanta os jovens?

– Talvez por ter pouco idealismo.

– Pouco idealismo! Defendemos a liberdade, o mérito, a justiça, a verdade.

– Dá um bom exemplo de país liberal?

– Os Estados Unidos, ora.

– Quantas ditaduras os Estados Unidos apoiaram e apoiam?

      Chocado, o liberal recua um passo. Fita o amigo. Parece não querer acreditar no que ouviu. Faz uma careta. Finalmente encontra a resposta:

– O liberalismo não mistura negócios com ideologia. Somos pragmáticos.

– Mas apoiou o Chile de Pinochet, não?

– Era a época.

– Apoia a Arábia Saudita.

– Tem um contexto.

– Destrói o meio ambiente se for rentável, não?

– Culpa do Estado que não fiscaliza.

– Se o Estado não o fiscalizar, ele não se freia?

– A tendência do capital é buscar mais capital.

– Usa trabalho infantil volta e meia.

– Sempre há pessoas más.

– Corrompe agentes públicos e aceita subsídios do Estado.

– São pessoas que fazem isso, não o liberalismo.

– Sonega impostos sempre que pode?

– Paga-se imposto demais.

      O velho amigo sorri. O liberal é duro na queda. Tem convicções profundas. Argumenta com firmeza. Concilia opostos pragmaticamente.

– O Estado não deve se meter na vida das pessoas – diz.

– Então és a favor da legalização da maconha?

– De jeito nenhum.

– Como assim? O Estado deve dizer o que a pessoa pode fumar?

– Sou liberal em economia e conservador em costumes.

– Ah, bom! O Estado não se mete nos meus negócios, mesmo que eu explore os outros, mas me diz se posso ou não ir para a cama com homens?

– É uma questão de valores. Aí não é Estado, mas a sociedade.

      Ficam em silêncio por alguns segundos. O liberal estuda o amigo como se fosse um adversário no ringue. Pode-se ler no seu rosto o que dirá:

– Viro comunista?

– Claro que não. Sou liberal em economia e em costumes.

– Não funciona.

­– Por que não?

– A sociedade precisa de limites.

– Impostos pelo Estado?

­– Por ela mesma através dos seus representantes.

­– O Estado?


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