O crime dos bolcheviques

O crime dos bolcheviques

Série conta execução da família real russa

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      O Brasil tem 20% das mortes por Covid no mundo. O Rio Grande do Sul contou 502 mortes em 24 horas. Estamos apavorados. Buscamos refúgio nas imagens: ficção, documentários, docudramas, história, traumas passados. Fazemos o que a tecnologia permite para não chorar.

Pode-se “Dez dias que abalaram o mundo”, de John Reed, sobre a revolução russa de 1917, uma das mais extraordinárias grandes reportagens já feitas. Ou ver, nestes dias de medo, tristeza e tempo elástico, a série “Os últimos czares”. A história russa é a da crueldade dos seus tiranos coroados. Nicolau II, o último autocrata da Rússia, era incompetente, autoritário, fraco e até cruel. Um homem que manda carregar contra a massa exausta e sofrida nada tem de heroico. A sua mulher não via um palmo à frente do nariz e se deixou enrolar pelo místico Rasputin. Havia atenuante: ele parecia ter o poder de controlar as crises do menino herdeiro do trono, que sofria de hemofilia. Alexandra, contudo, comprava tudo o que o guru recomendava. A série é cheia de erros históricos e irritou muito os russos.

      Tem cenas patéticas como uma imagem de 1905 na Praça Vermelha com o mausoléu de Lênin, que ainda não tinha feito a revolução de 1917 nem obviamente morrido. Pelo jeito foi uma antecipação poética. O problema é que se pretende passar uma ideia de verdade com depoimentos de historiadores. Pode-se dizer que do ponto de vista histórico há mais erros do que acertos na série, que romantiza, americaniza e dá ares de Disneylândia à vida da época. Num ponto, porém, apesar das incongruências histórias, dá para concordar: a execução da família real – além do czar e da czarina, quatro meninas, jovens, e o menino, uma criança doente – é uma das coisas mais abomináveis da história.

      O que aquelas quatro moças haviam feito para os bolcheviques? A questão era simbólica. Precisava-se eliminar a família pela qual o exército branco lutava e que recebia apoio de potências estrangeiras. Havia vingança, ressentimento, fanatismo e estratégia na execução com tiros e baionetas. Um assassinato premeditado de crianças inocentes jamais encontra justificativa convincente. Os Romanov foram cruéis por 300 anos, deixaram morrer de fome camponeses ao longo do tempo. Viviam numa bolha como parasitas. Tudo pode ser dito. Nada legitima o crime praticado em 1918, em Ecaterimburgo. O historiador Marc Ferro sustentou em livro que a czarina e seus filhas foram poupadas. Só faltou mostrar onde foram parar e como nunca vazou qualquer coisa.

      A cena da execução, com ou sem reparos históricos, é sempre de uma covardia impressionante. As meninas acreditaram até o fim que sobreviveriam. Esconderam diamantes nas roupas na noite em que morreram, achando que seriam transportadas para lugar mais seguro e depois para a liberdade. As pedras viraram coletes contra as balas. Os executores recorreram a golpes de baioneta, que a série economiza. O menino teria recebido golpes de baioneta na cabeça. Muito se falou sobre a possibilidade de Anastasia, a mais jovem filha do Czar, ter escapado. Apareceram mulheres tentando se passar por ela. A descoberta de ossadas e testes de DNA puseram fim a essas mitologias. Resta saber quem deu a ordem de execução. Trotsky diz que foi Lenin. Alguns historiadores sustentam que a decisão foi dos bolcheviques locais.


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