O DESTINO DOS LANCEIROS NEGROS APÓS A GUERRA DOS FARRAPOS

O DESTINO DOS LANCEIROS NEGROS APÓS A GUERRA DOS FARRAPOS

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JÔNATAS MARQUES CARATTI*

Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos? Baita polêmica. Depende do ponto de vista de quem interpreta. Depende também das motivações de cada um, afinal, ninguém pode ser neutro, pois todos nós escrevemos de algum lugar. Quem escreve Revolução Farroupilha possivelmente persegue o mito fundador. Busca a superioridade regional. Os gaúchos não admitem ficar para trás em nada. Precisam ser os primeiros no Desenvolvimento, na Saúde e na Educação. Afinal, “nascemos com a revolução, somos agarridos e bravos”, dizem. Para quem se preocupa com a identidade gaúcha o termo Revolução Farroupilha parece ser o mais indicado. Agora, tem gente que não está muito de acordo com este termo. Acham uma falácia. Sal grosso como patrimônio imaterial dos gaúchos? Era só o que faltava! Não, o que ocorreu entre os anos de 1835 e 1845 não foi uma revolução. Nem todos participaram. As estruturas econômica e política do Rio Grande não mudaram após o dito evento. Foi, sim, uma guerra. Milhares lutaram e morreram entre os dez anos de confronto. Quem escreve Guerra dos Farrapos quer, quem sabe, evidenciar mais um fato de nossa história. E nada mais.

Os historiadores têm dado diversos significados a este acontecimento. E estes diversos significados são reflexos de suas visões de mundo. Para o Movimento Tradicionalista Gaúcho é importante destacar a Revolução Farroupilha como o maior evento já ocorrido em nossos pagos. Foi a luta entre nós e eles. E para quem interessa o desfecho desta guerra? “O importante é que lutamos e demos exemplo a toda terra”, afirmam. Porém, para os historiadores - preocupados com o horizonte da verdade - a dita Revolução precisa ser vista com certo distanciamento e maior complexidade. Precisamos olhar as fontes, analisá-las, e ver o que elas nos dizem. Diversos historiadores têm se preocupado em verificar os fatos à luz de novas fontes e abordagens. Um dos temas mais polêmicos é a participação dos Lanceiros Negros na Guerra dos Farrapos e, concomitantemente, a Traição de Porongos. E o que os historiadores têm escrito sobre isso?

Não foi somente na província do Rio Grande do Sul que homens escravizados foram libertados para servirem à guerra. No Uruguai, em 1842, Fructuoso Rivera também aboliu a escravidão para engrossar suas fileiras de combate. Num momento crucial, Bento Gonçalves agiu igualmente e prometeu libertar os cativos que defendessem os interesses da província. Logo no início da guerra índios, negros e mulatos já estavam armados de lanças. Em 1836 surgiu o Primeiro Corpo de Cavalaria de Lanceiros Negros compondo mais de 400 libertos. Segundo as memórias de Garibaldi, “eles eram os melhores e mais fiéis [... eram excelentes e ansiavam o combate”. Mas qual o destino destes lanceiros negros? Como viveram após a guerra?

Esta é a importante contribuição da historiadora Daniela Vallandro de Carvalho que se preocupou, como ninguém, em investigar a vida dos negros libertos que serviram como soldados na Guerra dos Farrapos. Que alguns daqueles que lutaram na Guerra foram alforriados não temos dúvida. É só verificar o Tratado de Paz de Poncho Verde. Porém, o interesse de Daniela foi de refletir sobre o tipo de liberdade que os mesmos obtiveram.

Em suas pesquisas, Daniela localizou muitos dos lanceiros negros como serventes no Hospital Militar ou no Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro. Lá o trabalho era, segundo a historiadora, “pesado, cansativo e ininterrupto”. Ninguém queria trabalhar no Hospital Militar, principalmente pelos baixíssimos salários e por não terem folgas nos domingos e dias santos. A espera para uma vida em liberdade era longa. Em muitos casos somente após quatro anos os libertos podiam livrar-se da tutela do Estado. Ao que parece a liberdade dos lanceiros negros era precária. Além de servirem como cativos aos seus senhores antes do conflito, arriscarem-se seus corpos numa luta que não era propriamente sua, ainda desenvolviam tarefas tão duras que nem escravos de aluguel queriam fazê-lo.

É neste momento que a historiadora Daniela Vallandro de Carvalho pontua a precariedade da liberdade destes sujeitos. Além dos muitos lanceiros negros que morreram na conhecida Batalha (Massacre?) de Porongos, os que sobraram passaram por uma dura jornada em busca de sua liberdade. O destino dos lanceiros negros foi nefasto. Nem de perto obtiveram a liberdade que almejavam. E o pior. Durante muito tempo suas histórias estiveram encarceradas. Somente nos últimos anos a história dos Lanceiros Negros tem sido contada. Neste Vinte de Setembro temos a oportunidade de refletir, mais uma vez, sobre a exclusão e a invisibilidade da população negra em nossa história.

*Professor e historiador

 

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