O espetáculo da Justiça midiática

O espetáculo da Justiça midiática

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 Cada um com as suas obsessões. A minha é reler certos autores. Guy Debord é um deles. Em 1957, ele criou a Internacional Situacionista para, por meio da arte, inventar situações capazes de sacudir o espírito embotado das pessoas. Em 1967, publicou A sociedade do espetáculo, livro determinante paro o movimento de maio de 1968. Vinte anos depois, lançou Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Em 1994, suicidou-se. As suas ideias estavam confirmadas: na sociedade espetacular tudo é mercadoria. Nela, o produtor é separado do que produz. A aparência toma o lugar do ser. O entretenimento sufoca a arte. A mídia impõe um modelo de existência.

Surge uma “política espetáculo, uma justiça espetáculo, uma medicina espetáculo...” Uma justiça espetacular? Não! Tudo passa a ser regido “pela combinação de cinco aspectos principais: a incessante renovação tecnológica, a fusão econômico-estatal, o segredo generalizado, a mentira sem contestação e o presente perpétuo”. Nada de passado. Sem futuro. O público a serviço do privado. Julian Assange e Edward Snowden investiram contra o segredo generalizado e contra a mentira sem contestação. Pagarão com o exílio permanente. A justiça espetáculo, como a da Lava Jato, atribui ao investigado o crime perfeito, aquele que não pode ser provado. A prova do crime é a impossibilidade da prova. Em consequência, deve-se abandonar a lógica cartesiana da demonstração cabal. Qualquer contestação a essa modalidade de justiça é condenada como defesa.

Defesa ou cumplicidade. O homem comum, o cidadão, está cercado. A maior autoridade espetacular é o especialista. Só ele pode saber. Debord define: “Todo especialista serve a seu senhor, pois as antigas possibilidades de independência foram praticamente reduzidas a zero pelas condições de organização da sociedade atual. O especialista que mais bem serve é aquele que mente. Quem tem necessidade de especialistas, por motivos diversos, são o falsificador e o ignorante. Quando o indivíduo já não consegue reconhecer nada sozinho, ele vai ser formalmente tranquilizado pelo especialista”.

Antigamente, segundo Debord, “era normal que houvesse especialistas em arte etrusca”. E hoje? Em tudo. Até mesmo na definição da falta de provas como prova suprema. A tarefa do especialista é produzir um discurso circular e midiático. Algo é porque foi dito pelo especialista. Se não fosse, o especialista não teria dito. Para que o efeito ocorra, contudo, é preciso que ele fale na mídia e utilize a linguagem emocional do espetáculo. O espetáculo não julga. Condena antes do julgamento. Condena o acusado e qualquer um que emita ressalvas aos seus procedimentos. O espetáculo não admite réplica. É irrefutável por definição. A figura que cauciona o espetáculo é o espectador, que “fica sempre olhando para saber o que vem depois, nunca age”, pois “assim deve ser o bom espectador”.

Debord citava um certo Karl Marx, que denunciava o financiamento dos partidos, organismos que viam na atividade governamental “a principal presa do vencedor”. O especialista atual, porém, garante que tudo foi inventado no século XXI. Bom saber. Não mudará coisa alguma. Mas me dará a sensação de ter antecipado.

Sérgio Moro vai cumprir o ideal da mídia brasileira: colocar Lula na cadeia.

A justificativa será o sítio. Ou o triplex.

A razão profunda para os que odeiam Lula será o conjunto da obra.

Especialmente a parte que funcionou.

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