O grande golpe do impeachment

O grande golpe do impeachment

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Primeiro a gente derruba a Dilma, depois a gente estanca a sangria da Lava Jato

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 Era uma vez um país de políticos vendidos. A direita cansou de perder eleições para a esquerda. No desespero, resolveu jogar pesado. Denunciou o petismo no poder por corrupção. Mobilizou, com ajuda da mídia e do mercado, o antipetismo de parte da população. Produziu com discursos moralizadores o impeachment que precisava para retomar o controle da nação. Encontrou um pretexto jurídico, as tais pedaladas, para embasar seu golpe. Funcionou. Era derrubar o petismo, usando a Lava Jato, e depois “estancar a sangria”. O tiro saiu pela culatra. A direita, formada pelo PSDB, pelo PMDB, pelo DEM, pelo PP, sempre praticou os mesmos pecados do petismo. Os vídeos das delações da Lava Jato estão aí para desiludir os ingênuos e calar os hipócritas.

Todos podres. Todos farinhas no mesmo saco. Emílio Odebrecht diz que doou para o Instituto Lula o que doou para FHC, em torno de R$ 40 milhões. Questão de isonomia. Michel Temer participou de uma reunião em 2010 na qual Eduardo Cunha pediu R$ 40 milhões de propina. O delator lembra de tudo, hora, dia, local, valores, gestos, agradecimentos. Temer diz que não colocaria em jogo a sua biografia. Qual? O PMDB sentiu que podia golpear Dilma, numa traição de gângster, quando lançou seu programa “Ponte para o Futuro”. Era uma sinalização para a mídia conservadora e para o mercado. A mensagem era esta: se nos apoiarem no golpe, fazemos as reformas dos sonhos de vocês. Colou. A terceirização já foi entregue. A reforma da Previdência atolou. A desmontagem da legislação trabalhista está a caminho. Por que não se pede o impeachment de Temer? Porque as reformas ainda não foram aprovadas integralmente. Por que a população indignada não volta às ruas com a camiseta da CBF? Porque gosta de Temer e jamais esteve realmente preocupada com a roubalheira. Só queria derrubar Dilma.

A tese de Lula e amigos de que se tratava de uma perseguição ao PT sai em parte confirmada. Era isso que a direita queria. Ela só não contava com a perda do controle da operação, controle que nunca teve, mas que imaginava poder obter com manobras parlamentares. A criatura se insurgiu contra os que sonhavam adestrá-la. A lama atinge a todos. O sangue continua a jorrar. Fica consagrado que o petismo fez o que os demais sempre fizeram. Isso não o absolve. Isso o condena junto com os demais. O petismo pode alegar que se vendeu como todos, mas que tirou temporariamente mais de 50 milhões miséria. Moralmente não pega. Moral, porém, é que o falta a todos ou as panelas estariam batendo. Quem não se lembra dos discursos moralizadores de Aécio Neves, de José Serra, de Cássio Cunha Lima, de José Carlos Aleluia e de tantos outros subitamente transformados em cavaleiros da política limpa e ética?

Quem foi capaz de acreditar que Temer, com Romero Jucá, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco e caterva, libertariam o Brasil da corrupção? A direita jogou pesado. Perdeu. Entrevistamos no Esfera Pública, da Rádio Guaíba, na época do impeachment de Dilma, o jurista conservador Ives Gandra Martins. Ele defendia que Dilma fosse investigada e responsabilizada por atos ilícitos. Alegava que o artigo 86 da Constituição, aquele que trata de atos estranhos ao governo, não se referia a fatos anteriores ao governo, mas alheios à gestão. Por exemplo, uma briga num acidente de trânsito. Entrevistamos ontem novamente Ives Gandra Martins. Ele mudou de opinião. Entende que Temer não pode ser investigado por atos anteriores ao seu governo. Na época, entrevistamos o jurista de esquerda Dalmo Dallari. Ele sustentava que Dilma não poderia ser responsabilizada por atos anteriores ao seu mandato. Ontem, falando sobre Temer, Dallari defendeu a mesma posição em relação ao atual presidente. Eis a diferença entre o golpista e o jurista coerente. Eis a diferença entre conveniência e critério.

A lista Fachin e os vídeos da Lava Jato confirmam que houve golpe contra Dilma. O grande golpe foi um bando de atolados em denúncias de corrupção recorrer a um pretexto jurídico para promover uma destituição empurrada pelo clamor artificial contra a roubalheira. É fácil desmentir essa tese, basta sair às ruas de amarelo pedindo a saída de Temer e a convocação de eleições diretas em todos os níveis. O resto é conversa para enganar telespectadores do Jornal Nacional. Fake news.

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