O ministro e o escritor

O ministro e o escritor

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Araújo e Alencar

 

O ministro das Relações Exteriores, o gaúcho Ernesto Araújo, disse que diplomatas devem ler mais José de Alencar e menos o New York Times. Sugiro a eles a leitura de meu livro, “Raízes do Conservadorismo Brasileiro, a abolição na imprensa e no imaginário social”. Já falei disso. A ocasião exige retomar o assunto. Segue um trecho do trabalho que fiz revirando documentos.

“Em 1871, como parlamentar conservador, depois de ter sido ministro da Justiça no governo do escravocrata Itaboraí, destacou-se na oposição ferrenha ao Ventre Livre (...) No calor apaixonado das discussões, seu nome era citado como grande jurista ou pela firmeza de suas ideias.  São dele afirmações como esta, que desafiam a lógica e não se justificam nem mesmo à luz de seu tempo, pois causavam horror em seus oponentes: ‘Nesta luta que infelizmente se travou no País, a civilização, o cristianismo, o culto da liberdade e a verdadeira filantropia estão do nosso lado. Combatem por nossa causa’”.

Celebridade, usava sua pena para pressionar e impressionar. Podia ser estarrecedor: “Para o escritor José de Alencar, a ordem econômica contava mais do que a grandeza de princípios racionais: ‘Vós, os propagandistas, os emancipadores a todo o transe, não passais de emissários da revolução, de apóstolos da anarquia. Os retrógrados sois vós, que pretendeis recuar o progresso do país, ferindo-o no coração, matando a sua primeira indústria, a lavoura’. (Anais da Câmara dos Deputados, 1871, v. III, p. 135)”. Assim.

“José de Alencar não media as palavras, tornando-se mais arrebatado do que em seus livros melosos: ‘Vós quereis a emancipação como uma vã ostentação. Sacrificai os interesses máximos da pátria a veleidades de glória. Entendeis que libertar é unicamente subtrair ao cativeiro e não vos lembrais de que a liberdade concedida a essas massas brutas é um dom funesto; é o fogo sagrado entregue ao ímpeto, ao arrojo de um novo e selvagem Prometeu!’ Os argumentos de José de Alencar serviam para legitimar a falta de argumentos dos conservadores que não dispunham da mesma agilidade retórica e buscavam desesperadamente em um passado ainda recente fundamentos para salvar o presente de um futuro que viam como calamitoso e muito próximo: a emancipação dos escravos. Para Alencar, a escravidão era a base da civilização: “Na história do progresso representa a escravidão o primeiro impulso do homem para a vida coletiva, o elo primitivo da comunhão entre os povos. O cativeiro foi o embrião da sociedade; embrião da família no direito civil; embrião do estado no direito público”. Uma instituição louvável. Uau!

Apaixonado pela causa escravista, José de Alencar não se poupou: “A escravidão caduca, mas ainda não morreu; ainda se prendem a ela graves interesses de um povo. É quanto basta para merecer o respeito”.  Sem a escravidão, desabaria a monarquia: “A liberdade e a propriedade, essas duas fibras sociais, cairiam desde já em desprezo ante os sonhos do comunismo”.

Será mesmo uma leitura melhor que a do New York Times?

O que o Escola sem Partido aconselha para a sala de aula: falar do escravista José de Alencar ou só do romancista?

 

 

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