O outro Menem

O outro Menem

Político inventou o peronismo ultraneoliberal

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      Morreu no domingo o ex-presidente argentino Carlos Menen. O jornal Página 12 não perdoou: “O homem que nasceu para uma coisa, mas fez a oposta”. Borges teria dito que todo argentino é peronista, de esquerda ou de direita, ao menos por alguns dias. Preso sob a acusação de conspirar como militante peronista, em 1955, e novamente, em 1976, quando da instauração da ditadura militar, Menem, como presidente, seria o mais neoliberal dos políticos que um dia se viram como seguidores de Perón. No laboratório das práticas neoliberais heterodoxas, adotou a equivalência do peso ao dólar e produziu uma tragédia anunciada. Durante alguns anos, foi o modelo a ser seguido pelos supostos adversários do populismo e defensores da modernidade.

      Página 12 resumiu assim a sua ação presidencial: “Tijolo por tijolo, fez o que nem mesmo os governos militares puderam fazer. Dedicou-se a desmontar o que ainda existia dos primeiros governos peronistas: privatizou todos os serviços de água, gás e eletricidade, comunicações, altos-fornos e siderúrgicos, ferrovias, companhias aéreas, desregulamentou a economia. Fez o que nem mesmo os governos mais neoliberais do mundo fizeram: privatizou a petroleira estatal YPF”. Depois, enfrentou as crises e as acusações de corrupção. Chegou a ser preso. Os seus adeptos mais apaixonados sustentavam que ele só queria atingir as metas sonhadas na juventude por outro caminho.

      O jornal Clarín, que não pode ser rotulado, como o Página 12, de esquerdista, disse que Menem “marcou com fogo a década de 90”, “aquela que possibilitou a aplicação de uma política diametralmente oposta ao que se esperava de um presidente peronista”. Um estelionato eleitoral, segundo eleitores, que a direita comemorou e considerou como o caminho para o êxito econômico. Eleito e reeleito, Menem, conforme o Clarín, “foi um vendedor de ilusões”. Uma das maiores ilusões vendidas, para orgulho nacional, teria sido a da “reinserção da Argentina no Primeiro Mundo”. A época respaldou as escolhas de Menem. Tudo lhe foi permitido, até mesmo criar desemprego em nome da liberdade econômica.

      Menem fez tudo o que não se esperava dele: privatizou o que pode, mudou a Constituição para poder ser reeleito e ficou no poder por mais de dez anos, sendo o mais longevo presidente argentino. O Jornal La Nación foi cauteloso na análise do seu legado: “Na sua saída, em dezembro de 1999, a economia sofria uma recessão, com efeitos dramáticos sobre o emprego e a pobreza, antecipando o drama de 2001”. Carismático e ousado, Carlos Menem contribuiu para o enriquecimento da ciência política com uma nova categoria: o peronismo ultraneoliberal. Era outro Menem. Nem Borges, considerado dono de uma imaginação prodigiosa, seria talvez capaz de criar um personagem tão complexo, surpreendente e polêmico. Não se pode negar que Menem teve os seus momentos de sinceridade. Certa vez, declarou: “Se eu dissesse o que ia fazer, ninguém votava em mim”. Noutra, filosofou: “Vou governar para as crianças pobres, que sentem fome, e para as ricas, que sentem tristeza”. Os ricos acharam graça. Os pobres choraram.

 


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