O paradoxo do golpe constitucional

O paradoxo do golpe constitucional

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Antipetistas me cobram um artigo virulento contra o PT. Exigem um texto que não fale em mensalão tucano nem em trensalão paulista. Querem um chute nas canelas do petismo corrupto e incompetente. Consideram que toda inclusão de malfeitos dos outros na análise faz o jogo do petismo. Como tenho a tendência, por ser adepto da teoria da complexidade de Edgar Morin, a examinar todos os elementos envolvidos numa questão, sou deliciosamente acusado de petista. No jogo retórico, o antipetista vai para acima com um argumento pretensamente moral e irrefutável: “Para de defender esses ladrões”. O que dizer?

Como defender corruptos de um lado e silenciar sobre os corruptos do outro lado? Como aplaudir Eduardo Cunha como agente do combate à corrupção? O pedido de impeachment contra Dilma não apresentou até agora um crime de responsabilidade indiscutível praticado pela presidente da República. A incompetência, já provada, não encontra na Constituição justificava para afastamento. Miguel Reali Júnior, artífice do pedido de impeachment acatado vingativamente por Cunha, admitiu no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, que Fernando Henrique Cardoso também pedalou. Mas o valor teria sido menor. Parece piada.

A partir de que valor uma pedalada vira crime?

Impeachment é constitucional. Torna-se golpe quando as condições para que seja realizado não estão dadas ou são artificialmente produzidas. Vai ser um jogo infantil de juristas. De um lado, Dalmo Dallari, Celso Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato. De outro, Ives Gandra Martins, Hélio Bicudo e Miguel Reali. Todos lerão os mesmos textos e tirarão conclusões diferentes. Direito é ideologia e tese. Vence quem tiver mais poder de convencimento ou de imposição das suas ideias. Peguemos o parágrafo quarto do artigo 86 da Constituição Federal: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. O que significa?

Ninguém sabe. Qualquer coisa. Cada sábio entende o que lhe convém. O sábio A diz que o presidente não pode ser responsabilizado por atos de mandato anterior. O sábio B alega que se trata de atos, como um crime comum, estranhos à gestão presidencial. Como o texto é obscuro, a decisão se dá fora dele. Valem elementos pueris como a autoridade de quem fala, sua legitimidade, seu capital simbólico junto aos pares, uma infinidade de elementos subjetivos e impressionistas. A partir de agora, a decisão é meramente política. O aspecto jurídico servirá apenas para dar um verniz de legitimidade à escolha de cada um. O PT merece o perrengue pelo qual está passando. Fez tudo errado. Comprometeu até o que fez certo. A oposição usa a corrupção como pretexto para enfrentar o petismo e suas políticas.

Um parágrafo para os antipetistas. O PT suicidou-se, afogou-se no próprio veneno. Atolou-se na corrupção. Merece chineladas, processos e prisões. Quanto à destituição da presidente, só falta um detalhe: provar um crime de responsabilidade praticado por ela.

O mal maior é sempre o corrupto do partido adversário.

A publicação ultraliberal The Economist fulmina o golpismo brasileiro.

"A ação de Cunha é falha e ameaça apenas afundar o Brasil ainda mais na lama". O ato do presidente da Câmara de Deputados  "parece um ato de vingança (...)  Cunha pode ser facilmente visto como agindo em interesse próprio do que um homem de Estado, colocando uma interrogação sobre toda a confusão. O PT tende a cerrar fileiras em apoio à presidente, e Dilma sem dúvida será mais firme do que nunca em não renunciar, como alguns na oposição esperavam". Apesar de criticar Dilma, The Economist diz que ela "merecia mais alguns meses para tentar retomar as rédeas". Conclusão:  "Se ela falhasse, aí haveria um motivo forte para convencê-la a renunciar pelo bem do país. Ao atacar cedo demais e com os motivos mais inconvincentes, Cunha talvez tenha dado sobrevida maior a uma presidente fraca e destrutiva."

As pedaladas não convencem The Economist como motivo para impeachment:  Dilma "não seria a primeira a adulterar contas públicas". Quando se quer pretexto, inventa-se.

O jornal O Globo diz que o governo tem 258 votos contra o impeachment.

Bastam-lhe 171.

O golpe hipermoderno é constitucional.

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