O que é o Estado de Direito?

O que é o Estado de Direito?

Uma definição precisa

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Tem cada história na vida da gente.

Há uns 30 anos, Bladine-Barret Kriegel, eu e um motorista ficamos rodando na Zona Sul de Porto Alegre sem achar nosso destino. Perdidinhos da Silva. Íamos à casa de Denis e Kathrin Rosenfield. O motorista do jornal onde eu trabalhava não sabia o caminho. Nem eu. Não havia GPS. Blandine era a única que tinha uma noção do itinerário. Mas nos faltava um meio de comunicação: uma língua na qual nos entendêssemos. Ainda lembro do trabalho que nos deu achar o endereço.

Blandine é filósofa e autora de livros importantes como “O Estado e os escravos”, “A república e o príncipe moderno” e “Direitos do homem e direito natural”. Foi conselheira no governo de Jacques Chirac. Uma mulher culta e de fina inteligência. Eu me perdi com Blandine Kriegel, filha de um casal de resistentes ao nazismo, nas ruas da capital gaúcha. Continuo a me achar com facilidade nas ideias dela. Por exemplo, nesta definição de Estado de Direito: “O Estado é de direito quando a relação de poder não é mais fundada nem sobre o Imperium nem sobre o dominium, nem sobre a relação pessoal, nem sobre a relação de sujeito a objeto”. E agora?

Sobram muitos Estados de Direito? O Brasil é um Estado de Direito? O que representa impor sigilo sobre os dados que embasam a reforma da Previdência: imperium, dominium ou tratamento do cidadão como objeto? Se uma política de governo vai mudar a vida de quase todo mundo, especialmente daqueles que não podem mais influenciar o curso dos acontecimentos por ter poder de pressão, o que se espera de um governo? Que seja transparente para convencer, que argumente, mostre os dados que amparam as suas propostas e jogue aberto. Só escapa dessa reforma baseada em números e estudos secretos quem tem relação pessoal com o poder?

Para negar acesso às informações o governo sacudiu um espantalho. A quebra do sigilo afetaria o mercado e a tramitação da reforma no Congresso Nacional. Poderia haver má interpretação. Ficou assim: o governo pede que cada brasileiro aceite trabalhar mais anos e ganhar menos como aposentado, mas não poderia revelar a esses abnegados os elementos supostamente comprobatórios da necessidade do seu plano. Era só confiar e saltar no escuro. Foi dada a largada para negociar um acordo capaz de liberar o material e garantir o Estado de Direito. Na semana passada, só o recuo do ministro do STF Alexandre de Moraes, depois de três dias de censura a dois veículos de comunicação, restabeleceu o mesmo Estado de Direito. O sigilo do governo foi descoberto pelo jornal Folha de S. Paulo. A primeira reação de governistas foi insultar o mensageiro. A última, minimizar o erro. Poucas vezes se viu uma falta de transparência tão obscena.

O governo quer economizar 100 bilhões de reais por ano com a Previdência. Quanto obteria se taxasse dividendos e diminuísse um tantinho os juros pagos na sua trilionária dívida pública?

Ainda me lembro de Blandine-Barret Kriegel tentando nos mostrar a boa direção sem conseguir se fazer entender sobre o básico: “Droite, gauche, gauche, droite”. Estávamos cegos e surdos. Tentávamos seguir em frente. Por fim, recuamos. Foi a nossa atitude mais sábia naquele dia.


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