O que eu li neste ano de pandemia

O que eu li neste ano de pandemia

De Borges e Machado de Assis aos locais

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      Durante a pandemia, eu li. Fiz isso no hospital e em casa. Eu li como um desesperado. Ainda leio. Li principalmente Machado de Assis (obras completas, 31 volumes) e Borges (o grosso volume das suas obras completas). Na convalescença da Covid, reli “Conversa na Catedral”, de Vargas Llosa. Faz sete meses que eu leio um livro a cada três dias. Nunca menos de duzentas páginas. Voltei quase às minhas marcas da juventude, quando lia de noite e dormia de manhã. Não me gabo. Relato. Nos intervalos dos clássicos, com fragmentos de Montaigne, Agostinho e Aristóteles, leio os autores locais que me enviam os seus livros.

      Li a “Cicatriz invisível” (Avec editora), de Júlio Ricardo da Rosa, história de um jornalista esportivo que reencontra a paixão da sua vida, só que a moça se casou com um importante cartola de um clube de futebol. Recomendo. Não dou mais spoiler. Li também “Nunca me contaram” (AGE editora), de Mauro Fiterman, um livro de ficção que encara realidades nossas de cada dia. Não direi mais. O leitor que trate de adquiri-lo para não se arrepender. Também li “Contos de Porto Alegre”, de Marcelo Villas-Bôas, jornalista com apenas 45 anos de estrada, desde os tempos do Diário de Notícias. São livros de escrita suave, fluente, com histórias e reflexões deliciosas e essenciais.

      As crônicas de Villas-Bôas revelam histórias de jornalistas e políticos, como a sugestão que Ruy Carlos Ostermann recebeu do seu ex-assessor, Gustavo Forster, para apresentar o seu pedido de demissão da secretaria estadual da Educação, em meio a uma greve sem fim, e não seguiu, arrependendo-se depois. Mas há também personagens da cidade, livros, casos rumorosos de algum momento, a vida com seus ruídos. Jornalistas, advogados, professores, enfim, todos somos dominados pela paixão de escrever e de contar as histórias que nos contam também.

      Espiam-me de cima do balcão quatro presentaços: “Laços” e “Segredos”, do italiano Domenico Starnone, “A vida pela frente”, de Émile Ajar, pseudônimo do grande Romain Gary, que a Claudia trouxe como quem chega com pêssegos maduros. Vi o filme recentemente na Netflix. Por fim, “A varanda de Frangipani”, do Mia Couto, regalo da ex-orientanda de doutorado Cristiele Ribeiro, que me surpreendeu com o livro e uma carta elogiando o trabalho deste já quase sexagenário professor. Fiquei, como se dizia em Palomas, louco de faceiro. Dar uma boa aula, escrever uma crônica, orientar um bom trabalho de mestrado ou doutorado, ou um TCC, gravar um comentário legal para podcast ou youtube e ler bons livros, eis as alegrias da vida deste rapaz.

      O ano finda. Eu leio. Escrevi muito em alguns momentos. Continuo a lapidar aqueles que talvez venham a ser meus últimos romances: “Memória no esquecimento” e “Inferno no paraíso”. O primeiro, fruto dos últimos anos, está pronto. O outro ainda me arrancará por meses horas de solidão, prazer e sofrimento. Foi assim com “Acordei negro”, que adoro e considero complacentemente o mais injustiçado romance deste século XXI no Brasil. Confio que a posteridade o resgatará.

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Nota triste: a morte do Chico Tasca, sócio do Barranco, sempre tão gentil e solícito. Nota alegre: Taline Oppitz, cidadã de Porto Alegre.


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