O tio, o sobrinho e a decisão de justiça

O tio, o sobrinho e a decisão de justiça

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Cumprir ou não?

 

      Nas discussões de bar ou de churrasco de domingo sempre tem um tio sisudo e pretensamente ponderado que diz com ar solene e bege:

– Decisão de justiça não se discute, se cumpre.

Sempre há também um sobrinho de cabelo arrepiado ou um primo desgrenhado que se insurge por excesso de cerveja ou de puro tédio:

– E se a decisão for injusta ou ilegal?

O tio de paletó escuro, rosto emaciado e vocabulário teratológico não se intimida. Com uma voz circunspecta, pontifica:

– Primeiro se cumpre. Depois se discute nas instâncias adequadas.

Neste último domingo, o tio mudou de discurso. O desembargador gaúcho Rogério Favreto mandou soltar Lula. O juiz Sérgio Moro rebelou-se. Telefonou para a Polícia Federal pedindo o descumprimento da ordem. Juiz de primeira instância, decretou que o desembargador não tinha competência para tomar a referida decisão. O sobrinho provocou:

– Afinal, tio, decisão de justiça é para se cumprir ou não?

– Como eu sempre disse, depende.

– Como assim?

– Se for ilegal é uma obrigação se insurgir para evitar um mal maior.

– Se for ilegal ou se for a favor do Lula?

O almoço dominical virou barraco. O tio perdeu a calma. O sobrinho encheu o peito. Com voz aguda, jogou no contrapé do doutor:

– A Polícia Federal deveria ter cumprido a ordem judicial. Depois, nas instâncias adequadas, haveria a reversão. Sérgio Moro extrapolou. Ele não era autoridade coatora nem juiz da execução da sentença de Lula.

– O que tu sabes, guri, sobre autoridade coatora? Vai te deitar!

Sobrinhos escabelados leem sites como o ConJur e desafiam seus tios para desespero das mães. A paz familiar é seriamente abalada.

– Sabe o que disse o Lênio, tio?

– Não sei e não quero saber.

– Ele falou de um jeito que, em outros almoços, o senhor aplaudiria: “Ordem judicial se cumpre. Nem a polícia nem Moro podem se opor, mesmo que a ordem de HC seja eventualmente indevida ou ilegal”.

– Todo mundo sabe a ideologia desse Lênio.

– Qual é?

– Comunista.

– E o Dr. Eugênio Pacelli?

– O que ele disse?

–  “A manifestação do juiz Moro parece-me absolutamente equivocada, ainda que válidos alguns de seus argumentos. Ele não tem competência para questionar a competência do autor da liminar, que lhe é funcional e hierarquicamente superior. Não é ele quem pode apontar os erros da decisão do Desembargador. Apenas o Colegiado do TRF ou o STJ poderiam fazê-lo. Mais bizarra ainda foi a decisão do Relator originário, que, em pleno domingo, avocou o processo para a sua competência, o que me parece destoante da Lei. Quem atua no domingo é o plantonista!”

– Só poder ser petista – disse o tio batendo em retirada.

 

 

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