Opções de vida

Opções de vida

Mergulhar de gravata ou comer pelas bordas?

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      O quanto escolhemos no que nos é dado viver? Um juiz, ao se aposentar, mergulhou no mar de terno e gravata. Para um banho libertador. Quantas vezes deve ter odiado essa tira de pano sufocante amarrada no pescoço, mesmo nos dias mais quentes, que lembra a inutilidade e o desconforto das perucas empoadas dos séculos XVII e XVIII ou as bengalas usadas pelos homens no século XIX. Um morador de rua encontrado morto perto de Milão tinha cem mil euros no banco. Resolvi salvaguardar o mistério. Não li sobre como a sua vida mudou. Um executivo de uma empresa de tecnologia de ponta vive num vilarejo perdido onde cria cabras e passeia pelos campos e de onde envia seus relatórios sofisticados para a matriz situada no Vale do Silício. Afirma que com o 5G a sua vida será ainda mais retirada e tranquila.

      Na Rússia, a polícia prende milhares de pessoas que apoiam um crítico do governo de Vladimir Putin, o chamado dissidente Alexei Navalny. O poder é uma escolha ou uma prisão? A oposição ferrenha nasce do quê? Jeff Bezos, o poderoso dono da Amazon, resolveu largar a presidência da empresa para curtir a família e a vida. O que escolher quando se tem bilhões na conta? Pensadores famosos dizem que só escolhemos o que a produção nos destina. Há quem escolha trabalhar até morrer. É uma escolha ou um hábito do qual a pessoa não consegue se libertar? Não estou falando daqueles que precisam morrer trabalhando para tentar sobreviver. O que escolher quando se tem tempo livre?

      Há escolhas que são políticas e públicas. O Rio Grande do Sul está recebendo pacientes do Norte infectados com o coronavírus. O certo seria ter hospitais para tratar essas pessoas nas suas cidades. Quando, porém, o mais evidente não pode ser alcançado entra em campo uma palavra diante da qual se deve praticar reverência: solidariedade. Neste caso, a escolha é ética, humanitária, honorável. O homem público faz escolhas o tempo inteiro. A Cruz Vermelha está trabalhando para alterar uma escolha dos mais ricos: a distribuição desigual das vacinas no mundo. A instituição quer vacinar 500 milhões de pessoas nos países pobres. Equilibrar significa encurralar o vírus e virar o jogo.

Há muitos anos, entrevistei o alemão Niklas Luhmann, então já considerado um dos intelectuais mais importantes do mundo. Ainda hoje releio uma das suas respostas: “A estabilidade dinâmica é a articulação entre transformação e manutenção das regras passíveis de manter expectativas sociais. Engendrar novos estágios é essencial, crucial, à estabilidade sistêmica. É preciso mudar para que a degradação, a caotização não ocorra. O sistema mantém-se na medida em que se transforma. A instabilidade contamina a estabilidade. A esclerose sistêmica é que evita ou repudia a mudança. Neste caso, a mudança acontece contra as expectativas socialmente aceitas e suplanta qualquer projeto de planejamento”. É decisivo saber a hora de tirar a gravata. Ou de usá-la. Se não escolhemos, somos escolhidos. Não há inação.


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