Outras perdas que tive na vida
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Perdi de fazer a viagem de volta por estar sempre obrigado a fazer mais uma viagem de ida para algum lugar imperdível. Perdi de curtir o grande lugar admirado por todos por me sentir na obrigação de encontrar o lugarzinho feito só para mim. Perdi de recordar certas coisas singelas por estar memorizando tudo o que acabei esquecendo. Penso no que esqueci e me surpreendo com cheiros, vozes, risadas e frases que nunca tinha lembrado antes. Um amigo, numa tarde de 1973, gritando “vamos jogar”, uma menina, numa noite de 1976, sussurrando “gosto de ti”, outra tarde, lá por 1975, colhendo ameixas num pomar que me parecia a melhor definição do paraíso. Perdi a data de uma imagem que me persegue: eu, guri, caminhando só à beira de um mato com os olhos focados na beleza colorida de um maracujá inalcançável.
Por que me vem cada vez mais essa lembrança das coisas perdidas que, no entanto, estão bem guardadas no meu coração? Por que me vem essa certeza de que perdi de sorrir e de brincar em ocasiões formais por ter acreditado na importância da gravidade como etiqueta? Quanto gente perdeu de dançar por ter sempre alguém para cobrar um desempenho melhor? Quanta gente perdeu de cantar por medo de desafinar? Quanta gente perdeu de falar por temer o arrependimento? Bem ou mal, disso me orgulho, nunca perdi de jogar futebol. Mas perdi, faz tanto tempo, o cheiro dos melões maduros amarelando na lavoura. Perdi o canto do jacu na quietude da mata. Perdi de perder por medo de perder, que é o medo de jogar e de brincar.
Sim, aos poucos, vamos aprendendo a não jogar para não perder. Há quem perca a beleza do pôr do sol por ter sido convencido de que é brega. Há quem perca o calor do Natal em casa por acreditar que não é moderno. Há quem perca o encontro com os amigos por ter de dedicar todos o seu tempo aos inimigos. Eu perdi tanta coisa que me faz falta. Onde terei deixado meus time de botão? Onde terei enterrado o Lobo, meu cachorro e amigo ao longo da adolescência? Que fim terá sido dado à bicicleta que foi meu meio de transporte durante oito anos? Eu perdi tempo tentando ganhar tempo. Perdi alegria tentando ganhar felicidade. Perdi de escrever o que queria por medo de não escrever o que de mim se esperava. Perdi de dizer: a vida é boa.