Outro capitalismo é possível

Outro capitalismo é possível

Nem toda crítica ao capitalismo é anticapitalista

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Predatório

 

      Nem toda crítica ao capitalismo é anticapitalista. Nem toda crítica ao capitalismo é feita por comunistas. Philip Kotler, que bebeu nas fontes de Milton Friedman e Paul Samuelson e é um dos gurus mundiais do marketing, aponta 14 problemas do modelo em “Capitalismo em confronto”. O livro é conhecido. Vale uma releitura. Professor da Kellogg School of Management, Kotler aponta as falhas e indica soluções. Numa entrevista de 2015, ele disse: “O problema fundamental é a crescente desigualdade de renda e de riqueza”. Atenção, não foi Guilherme Boulos quem disse isso. Kotler explicou que criticava o “capitalismo predatório”, aquele que não respeita qualquer limite.

Uma das suas respostas atinge um dogma do capitalismo: “O trabalho de uma empresa não é maximizar seus lucros às custas de todos os demais. A tarefa da companhia é criar valor e compartilhar esse valor com acionistas, funcionários, fornecedores e distribuidores, em uma base justa. Cada empresa deve redefinir o seu propósito, dizendo como pensa que seu trabalho está beneficiando a sociedade”. Em poucas palavras, a função social pode ir além do lucro a qualquer custo. O capitalismo pode ser melhor. Kotler seria um comunista disfarçado de “pai do marketing”? Entre as falhas do capitalismo ele aponta os salários indignos para bilhões de pessoas, a desconsideração em relação ao bem-estar ou felicidade das pessoas na lógica do mercado e a falta de mais justa contribuição empresarial para a sociedade.

O que diz Kotler: que um outro capitalismo é possível. E necessário. Na entrevista ao “Mundo do Marketing”, ele se referiu a problemas que continuam se agravando: “Os ricos e super-ricos começam a financiar os políticos cujos interesses pairam sobre a proteção da riqueza e a manutenção dos baixos salários e benefícios sociais. A democracia se torna uma pseudodemocracia na qual cidadãos votam, mas têm pouca influência sobre o resultado. Falo desses e de outros problemas no livro”. Para Kotler, o capitalismo não fornece respostas suficientes à questão da pobreza, só pensa em termos de PIB, explora a natureza sem a devida regulamentação, cobra pouco de quem explora muito o que é de todos, hipervaloriza o individualismo, etc.

Um comunista! Não, um liberal que acha melhor entregar os anéis para não perder os dedos. Uma democrata que defende um capitalismo não predatório. Enfim, coisas que a ortodoxia não pode enxergar. O agora “comunista” Kotler, nascido em 1931, já trabalhou para Motorola, Michelin, IMB, Bank of America, General Eletric e outras pérolas do capitalismo. Pode-se dizer que critica de dentro. Neste ano da Covid, aos 89 anos de idade, em entrevista ao site “Seis minutos”, ele reincidiu: “O capitalismo ainda é o melhor sistema para alcançar o crescimento econômico. Entretanto, falha na hora de compartilhar equitativamente os ganhos desse crescimento. O capitalismo deixa a maioria dos trabalhadores no mesmo nível salarial, com a maior parte do ganho indo para os ricos. Vou publicar um novo livro chamado ‘Losing Our Democracy’ [‘Perdendo nossa democracia’], onde descrevo dez medidas para fazer o capitalismo funcionar de forma mais equitativa enquanto atinge crescimento econômico”. Velho subversivo.

 

 

 

 

 


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