Pós(-Drummond)

Pós(-Drummond)

Poema pré-pandêmico

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Não serei o poeta de um mundo novo

 

Tampouco serei o cantor do meu povo

 

Não falarei jamais algo sublime

Praticarei sempre o mesmo crime...

 

Farei poesia sem poesia

Romance sem personagem

Crônica sem pensar no dia

 

Descrição sem paisagem

Teatro sem maquiagem.

 

Nunca voltarei à antiguidade

Nem mesmo à velha modernidade

 

Ano depois de ano,

Rasgarei a fantasia

Em nome do cotidiano.

 

Sonharei com uma vida rude,

Sem metafísica nem ontologia

Experimentada no meio da rua

Como uma vagabunda mitologia

 

Não criarei novas imagens

Farei somente colagens

coleção de bolinhas de gude

 

Não exaltarei mulheres fatais

Nem lutarei contra a rima

Tampouco a colocarei acima

Dos meus esquálidos ideais.

 

Não verei das estrelas o brilho

Nem da noite a tensão elétrica

 

Não seguirei das vias o trilho

Para mim bastará ser o filho

 

Bastardo...

 

Deste tempo sem métrica

Cuja utopia é a ética

E a arte pós-estética.

 

Não farei das leituras

Álibi para as agruras

Do poeta agonizante

 

De um homem artificial

Colhendo rosas e dálias

No jardim das virtuálias

Serei essa voz natural

 

Num dia monótono e breve

Das redes sociais em greve

Serei a derradeira conexão

 

Pássaro no rastro da tarde,

Artesão sem fazer alarde.


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