Paulo Gustavo, vítima do horror
Morte de humorista enluta o país
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Fazer rir é uma arte muito difícil. Paulo Gustavo fazia rir com facilidade. A sua morte, por complicações da covid-19, deixou o Brasil ainda mais triste. Já são mais de 400 mortes de brasileiros de todas as classes sociais, profissões e idades, inclusive velhos senadores. A morte de uma celebridade provoca um sobressalto. A chamada classe artística mostrou o quanto admirava Paulo Gustavo, ator e criador do sucesso “Minha mãe é uma peça”.
*
Em homenagem a Paulo Gustavo, duas pequenas cenas do cotidiano.
Pessoas travam diálogos bizarros. Há que se prestar atenção ao que dizem quando não se sentem observadas. Pode ser útil na vida. O homem carregava um casaco no braço esquerdo. A temperatura andava pelos 25 graus. Em torno, no parque, todos estavam em mangas curtas. O portador do casaco foi interpelado por um conhecido de modo direto:
– E esse casaco, aí?
– Ah, tenho um problema.
– Problema?
– Psicológico.
A palavra psicológico iluminou os olhos do ouvinte, como se ele já vibrasse com a revelação. Dava para sentir o aumento dos seus batimentos cardíacos. Ia colher uma informação em primeiríssima mão.
– Que problema?
– Uma neurose.
Neurose é um termo pouco usado por leigos. O interesse cresceu. O casaco era marrom. O sol brilhava sem ser ardente. A vida seguia.
– Neurose, neurose, ou é maneira de falar?
– Neurose, neurose, coisa de psiquiatra, Freud, isso tudo.
O interlocutor estava quase radiante. Tinha feito uma provocação, como era do seu feitio, pois nunca deixava de implicar com alguém, e ia ter novidade para contar a quem encontrasse na sequência. Era daqueles que infantilizam os amigos e colegas com observações do tipo: “a tua mulher é que escolhe as tuas roupas” ou “somos parecidos, não sabemos nos vestir sozinhos”. Já fazia 25 anos que aporrinhava o outro com perguntas e observações de um gênero infelizmente comum:
– Não está com calor com esse blusão?
O momento era especial. Imaginava que ia colher algo para atucanar o outro pelo quarto de século seguinte. Não se conteve mais:
– Mas me conta, vai, que neurose é essa?
– Acho que sou um cabide.
*
O homem caminhava de sapato. Um calçado leve. Ainda assim, sapato. Há no sapato algo que desafia a mente de algumas pessoas. Uma reação. A tarde estava morna. Uma brisa mexia as folhas mais afoitas das grandes árvores. Um senhor baixo se aproximou. Usava bermuda e tênis brancos, fofos, como se fossem duas almofadas de algodão. Cumprimentaram-se com alegria. Eram certamente amigos de longa data.
– E os tênis? – questionou o recém-chegado.
– Deixei em casa.
– Ué! Por quê?
– Este terreno é muito duro para eles.
– Como assim?
– Eles poderiam se machucar.
Fazer rir é uma arte muito difícil. Paulo Gustavo fazia rir com facilidade. A sua morte, por complicações da covid-19, deixou o Brasil ainda mais triste. Já são mais de 400 mortes de brasileiros de todas as classes sociais, profissões e idades, inclusive velhos senadores. A morte de uma celebridade provoca um sobressalto. A chamada classe artística mostrou o quanto admirava Paulo Gustavo, ator e criador do sucesso “Minha mãe é uma peça”.
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Em homenagem a Paulo Gustavo, duas pequenas cenas do cotidiano.
Pessoas travam diálogos bizarros. Há que se prestar atenção ao que dizem quando não se sentem observadas. Pode ser útil na vida. O homem carregava um casaco no braço esquerdo. A temperatura andava pelos 25 graus. Em torno, no parque, todos estavam em mangas curtas. O portador do casaco foi interpelado por um conhecido de modo direto:
– E esse casaco, aí?
– Ah, tenho um problema.
– Problema?
– Psicológico.
A palavra psicológico iluminou os olhos do ouvinte, como se ele já vibrasse com a revelação. Dava para sentir o aumento dos seus batimentos cardíacos. Ia colher uma informação em primeiríssima mão.
– Que problema?
– Uma neurose.
Neurose é um termo pouco usado por leigos. O interesse cresceu. O casaco era marrom. O sol brilhava sem ser ardente. A vida seguia.
– Neurose, neurose, ou é maneira de falar?
– Neurose, neurose, coisa de psiquiatra, Freud, isso tudo.
O interlocutor estava quase radiante. Tinha feito uma provocação, como era do seu feitio, pois nunca deixava de implicar com alguém, e ia ter novidade para contar a quem encontrasse na sequência. Era daqueles que infantilizam os amigos e colegas com observações do tipo: “a tua mulher é que escolhe as tuas roupas” ou “somos parecidos, não sabemos nos vestir sozinhos”. Já fazia 25 anos que aporrinhava o outro com perguntas e observações de um gênero infelizmente comum:
– Não está com calor com esse blusão?
O momento era especial. Imaginava que ia colher algo para atucanar o outro pelo quarto de século seguinte. Não se conteve mais:
– Mas me conta, vai, que neurose é essa?
– Acho que sou um cabide.
*
O homem caminhava de sapato. Um calçado leve. Ainda assim, sapato. Há no sapato algo que desafia a mente de algumas pessoas. Uma reação. A tarde estava morna. Uma brisa mexia as folhas mais afoitas das grandes árvores. Um senhor baixo se aproximou. Usava bermuda e tênis brancos, fofos, como se fossem duas almofadas de algodão. Cumprimentaram-se com alegria. Eram certamente amigos de longa data.
– E os tênis? – questionou o recém-chegado.
– Deixei em casa.
– Ué! Por quê?
– Este terreno é muito duro para eles.
– Como assim?
– Eles poderiam se machucar.