Paulo Paim e as marcas que o racismo deixa

Paulo Paim e as marcas que o racismo deixa

Senador chorou no Esfera Pública

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      Na última terça-feira, no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, Taline Oppitz, Lucas Rivas e eu entrevistamos o senador gaúcho Paulo Paim. Foi emocionante. Uma das mais tocantes entrevistas das quais participei na vida. Uma das melhores do programa. Sou admirador de Paulo Paim, esse incansável defensor de causas que vão se tornando tristemente perdidas, como as da previdência social e da aposentadoria. Ele é um dos poucos negros de um Congresso Nacional dominado pela branquitude, num país com mais de 50% de não brancos. O tema da entrevista era racismo. Paim contou passagens da sua vida e não se conteve: chorou mais de uma vez.

      Dava para sentir a sinceridade, a dor, a tristeza carregada ao longo de uma vida em confronto com a discriminação racial. Em determinado momento, Paulo Paim lembrou que, na formatura, não pode entrar no clube onde foi comemorar. Por ser negro. Foi às lágrimas. Lembrei-me de que na minha infância e adolescência os negros eram barrados nos clubes da minha cidade e nos bailes da campanha. Isso era considerado “normal”. Os relativistas por conveniência alegam hoje que eram os “valores da época”. Ao longo da escravidão, milhões de homens e mulheres sempre souberam da infâmia que aquilo significava: os escravos. Era uma instituição legal e não faltava escravagista para condenar quem dava abrigo a escravo em fuga com o argumento clássico ainda hoje usado para outros fins: não se pode ir contra a lei.

      Paulo Paim rotulou o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que é negro, de “capitão do mato”. Camargo chamou o movimento negro de escória e disse que a escravidão foi benéfica aos escravizados. Ele me lembra aquela figura do 'capitão do mato'. Ele é contratado para destruir o povo negro, a nossa historia. Ele é pago para isso. Eu prefiro desconhecê-lo e ponto”. Numa das suas mais belas obras, o argentino Borges, branco e conservador, disse do seu personagem: “Carriego acreditava ter uma obrigação com seu bairro pobre”. Paulo Paim orgulha-se da obrigação que tem com sua negritude. Não faço campanha antecipada por ele, que não sem será mais candidato.

      Em tempos de revisão bastante tardia de certos conceitos infames, depois do assassinato covarde do negro George Floyd, nos Estados Unidos, por um policial branco treinado para odiar e para não ceder às súplicas das suas vítimas, temas costumeiramente jogados para baixo do tapete da Casa Grande já não podem ser descartados com desdém e certeza de impunidade. Ressoam nos meus ouvidos as palavras de Paulo Paim sobre ser barrado em algum lugar por causa da cor da pele: “Marca a gente”.

A propósito, quantos negros integram a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul? E a Câmara de Vereadores de Porto Alegre? A voz embargada de Paulo Paim na Rádio Guaíba me arrepiou. Acostumado a fazer entrevistas, calejados pelos anos de labuta, não esperava também eu me emocionar. Trabalhando de casa, fechei o microfone para respirar. Ficou martelando na minha cabeça a expressão “marca a gente’. Até quando?

 


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