Pequeno manual antimansplaining

Pequeno manual antimansplaining

Atenção ao homem que explica o óbvio

publicidade

 

      Esse termo aí em cima é um desses da moda. Aplica-se, antes de tudo, para homens que explicam a mulheres o que elas sabem melhor do que eles. Mas pode também ser aplicado de homem para homem. Este texto é um Pequeno Manual Antimansplaining. O primeiro ponto é saber que o mansplaining é sempre uma tentativa de humilhação, uma estratégia de poder, uma maneira de diminuir o interlocutor, uma sacanagem, um discurso rasteiro, muito praticado por gente do alto, de autoridade. Toda vez que alguém começa uma frase com uma pergunta assim:

– Não sei se você já ouviu falar do...

      Mansplaining chegando. Proteja-se. Reaja. Se a frase se completar com algum nome da área na qual a pessoa interrogada trabalha, é mainsplaning duplamente qualificado e obviamente com dolo.

– Não sei se você já ouviu falar de Michelângelo...

      Os mais radicais praticantes do mansplaining são capazes de tudo. Pode-se ver o prazer que experimentam quando atacam:

– Não sei se você já ouviu falar em Felipe Neto...

      Diante da perplexidade do atingindo, o agressor reincide:

– Você sabe quem é, não, ao menos alguma coisa?

      O praticante do mansplaining não admite silêncio como resposta. Se ele sente uma hesitação, pula em cima. Pressiona até asfixiar:

– Já ouviu falar em Fernanda Montenegro. Sabe quem é, né?

      Outra forma de mansplaining é o uso de jargão e latinório:

– Ab ovo.

      Tem o mansplaining que dá o tapa e esconde a mão:

– Sei que você não pode entender o que são embargos declaratórios. É difícil mesmo, mas vou tentar simplificar para você de um jeito fácil.

      Outra forma de mansplaining é explicar o que a pessoa fez pretensamente melhor do que ela mesma em poucas palavras:

– Você não estudou o ovo, mas se ovo é esférico ou não.

      A reação ao mansplaining é complexa. Se calar, diminui o incômodo na hora e não cria caso, mas fica com o negócio entalado. Se reagir com fúria, passa recibo de que se sentiu humilhado. É necessário não deixar passar e contra-atacar com calma e, se der, ironia. Se tiver medo de ferir o outro, procure um psicanalista. Você tem problema de afirmação. Eu tenho. O praticante de mansplaining tem excesso de autoconfiança, autoestima elevadíssima e tendência para o perverso. Age por machismo, inveja, astúcia e condescendência:

– Você precisa ter uma conta no Insta. Sabe como funciona? É fácil.

      Há quem receite reagir ao mansplaining com siglas do tipo VT... ou VCC (vai catar coquinho). Não recomendo. Sou contra essas medidas extremas que recorrem a uma linguagem não inclusiva. Como não se trata de uma doença ainda não catalogada no DSM, todo cuidado é pouco. Muitos, quando desmascarados, explicam-se candidamente:

– Foi sem querer.

      É o mansplaining culposo.  Sempre que algo óbvio terminar por “você entende?”, não há dúvida: mala explicando. Melhor não perdoar:

– Você entende?

– Estou tentando.

O ápice do mansplaining com agravantes é quando o agredido reclama e o agressor condescendente faz um pequeno reparo:

– Acho que você quer dizer o seguinte, mas a pronúncia não é essa...


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895