Pibinho, populismo e manifestação

Pibinho, populismo e manifestação

Governo flerta com o perigo

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      João Marciano parou na porta do boteco. Era visível que queria lembrar alguma coisa. Amparou-se na bengala, espremeu os olhos e disse para quem quisesse ouvir, embora só dois bêbados estivessem por ali:

– Quando foi que começaram com essa história de PIB de mais 2%?

      Claro que ninguém respondeu. A conversa de João Marciano era com ele mesmo. Lembrava-se daqueles dois bizarros comentaristas de economia, uma dupla sertaneja, Beto e Borges, falando em PIB. Por que o canal usava aqueles dois caras esquisitos que diziam a mesma coisa? Um desperdício. Um fala, o outro repete, sem jamais um contraponto. Marciano riu. Não bebia. Se ria sozinho, era por achar graça mesmo.

– Pibinho! – exclamou.

– Hein! – replicou um dos bêbados.

      Como é que a mídia embarcava nessas previsões malucas? Volta e meia, a novela recomeçava. Estimava-se um PIB mais alto, contava-se essa história por meses nos principais telejornais, fingia-se acreditar nela, falava-se em retomada do otimismo, montava-se um cenário e vivia-se uma onda de satisfação feita sob medida para enganar trouxas.

– Baita fake news – afirmou João Marciano para os bêbados.

– Hein!

      João Marciano ficava fulo da vida com essas previsões. Quando sai o número oficial, não cansava de dizer, nenhum dos videntes aparece para reconhecer o erro ou dar alguma explicação aceitável. É vida que segue. O que lhe apoquentava nem era o mísero crescimento econômico, que lamentava, mas a estratégia enganadora, a simulação, o chute. De repente, sai um número da cartola e ponto. O velho Marciano tinha as suas implicâncias. Uma delas era com o humor da bolsa. Não conseguia aceitar que investidores corressem para alterar seus investimentos por causa de uma repentina declaração de alguém sem se dar tempo de reflexão. Saiu para a rua. Antes de abrir o guarda-chuva, resmungou:

– Pibinho.

      Nas suas reflexões, que são intermináveis, João Marciano costuma tentar compreender o funcionamento das coisas. É uma mania. Riu. A montanha pariu um pibinho depois de mostrar barriga de pibão, disse. Uma passante mudou de calçadas. Quem seria aquele louco falando de pibinho e pibão em voz alta? Mobilizado pelos seus pensamentos, João não viu o seu ônibus passar. Perdemos mais uma vez o bonde da história, considerou. Não havia bêbado para surpreender-se com a sua conclusão.

– Não precisava um pibão, mas também não podia ser um pibinho mixuruca menor que o do Temer – explicou. Uma mulher olhou para trás e correu.

      Numa fruteira, carrancudo, ele vidrou nas bananas. Parecia deslumbrado. O vendedor ficou examinando a expressão do cliente.

– Me dá um cacho desse pibinho aí, parceiro.

– Pibinho?

– Esse pibinho amarelo aí, parceiro. Um cacho.

– É por quilo.

– Um quilo, então.

– Saindo.

– E a manifestação do domingo?

– Precisamos de democracia direta, sem o Congresso Nacional.

       

 


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