Pintando na chuva com Van Gogh

Pintando na chuva com Van Gogh

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Quer ver um belo filme? Um lindo filme que trata de loucura e morte sem morbidez e sem se comprazer na perversidade como virou moda no cinema? Esse filme sublime se chama “Com amor, Van Gogh”, dirigido por Dorota Kobiela e Hugh Welchman, e está em cartaz nos bons cinemas da cidade, ou seja, no Guion Center. Uma síntese sensacionalista seria esta: Van Gogh se matou ou foi assassinado? Um resumo para enfatizar a novidade estética pode ser assim: 125 artistas criaram 65?000 frames pintados a óleo. Parece uma sucessão de quadros do próprio pintor. Uma vertigem de cores e de sensações. Criatividade para um grande criador.

A chamada para atrair espectadores é muito simples: “1891. Um ano após o suicídio de Vincent Van Gogh, Armand Roulin (Douglas Booth) encontra uma carta por ele enviada ao irmão Theo, que jamais chegou ao seu destino. Após conversar com o pai, carteiro que era amigo pessoal de Van Gogh, Armand é incentivado a entregar ele mesmo a correspondência. Desta forma, ele parte para a cidade francesa de Auvers na esperança de encontrar algum contato com a família do pintor falecido. Lá, inicia uma investigação junto às pessoas que conheceram Van Gogh, no intuito de decifrar se ele realmente se matou”. É isso.

Van Gogh sempre emociona. Artista incompreendido. Gênio que começou tarde, aos 28 anos, e pintou muito, mais de 800 trabalhos em oito anos, homem que padeceu com terríveis perturbações mentais e, na sua reta final, sofreu bullying de crianças, jovens e adultos. Salto na escuridão das cores vivas: quando eu vejo certos quadros de Van Gogh eu me sinto pisando no vazio. Chego a ter medo. É como um sol que emite raios de melancolia e atrai para a beira do abismo. Quando me posiciono, no Louvre, como fiz dezenas de vezes, diante da Mona Lisa, experimento algo intelectual: uma provocação, uma ironia, um convite a mergulhar num mistério. Quando, no Museu d’Orsay, me vejo diante das pinturas de Van Gogh, sinto outra coisa: um esfarelamento do chão.

Como pode haver tanta tristeza em cores tão lindas, tão intensas, tão fortes, tão alegres? Como pode o objeto mais cotidiano, uma cama, um quarto, um monte de feno, expressar todo um imaginário, toda uma visão de mundo, todo um mundo da visão, todo um destino, um estar no mundo, um deslocamento, uma estranheza, uma sensibilidade, um pathos? Como pode um olhar aturdido jogar tanta luz sobre como vivemos, sentimos e sofremos? Foram muitas as frustrações de Vincent. Quando tentou se casar com sua prima Kee, viúva e sete anos mais velha do que ele, recebeu uma resposta brutal: "Não, nunca, jamais".

Olhar um quadro de Van Gogh conseguindo entrar na máquina do tempo tem algo de transfiguração. Por trás da aparente tranquilidade das suas últimas seis semanas, ardia o vulcão da culpa e da angústia. Ele pintava mesmo na chuva para tentar aplacar o fogo que o consumia. Nas cores de Van Gogh arde o universo. E o que dizer do desespero do seu médico, o dr. Gachet, que queria ser artista e só conseguiu passar o resto da sua vida fazendo cópias das obras-primas do seu paciente?

 

 

 

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