Positividade tóxica

Positividade tóxica

Obrigação de estar feliz

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    Eu não sabia que essa categoria existia. Mas é bem grande o número de textos sobre o tema na internet. Se o negativismo parece tóxico naturalmente, a positividade tóxica se daria no excesso. É um problema psicológico importante que encontra nas redes sociais, especialmente no Instagram, segundo alguns especialistas, um espaço de tensão. Todo comentário negativo é rechaçado. Só as manifestações positivas recebem aval. O negativista (não confundir com negacionista) é visto como um chato que puxa a vida de todo mundo para baixo.
– Lá vem esse cara com uma nuvenzinha cinza na cabeça.
    Ser feliz e declarar felicidade virou dogma e qualquer desvio pode ser punido com cancelamento. O psicanalista Abílio Ribeiro Alves, numa matéria jornalística sobre a tal positividade tóxica, pôs o dedo na chaga narcísica de cada um: “Saídas rápidas fazem oposição ao sofrimento, sobretudo em tempos difíceis. Além disso, superpõe-se a culpabilidade moral, como se a positividade tivesse que estar sempre à mão”. Melhor então pensar negativo? Claro que não. A questão é como conciliar visões antagônicas e complementares. Noutro texto sobre o assunto (a lista é, de fato, enorme) a psicóloga britânica Sally Baker explica: "O problema com a positividade tóxica é que ela é uma negação de todos os aspectos emocionais que sentimos diante de qualquer situação que nos represente um desafio". A história é muito séria.
    Tóxico é tudo aquilo que transtorna, obceca, gera culpa. “Felicidade tem a ver com viver intensamente o presente, para o bem e para o mal, com seus dias de pesar e gravidade, como os que estamos passando agora. Tem menos a ver com expectativas e mais com a realidade”, diferencia o psicanalista Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, em outro texto sobre os perigos dessa coisinha que parece inocente. A pessoa fica na obrigação de corresponder. Ela se pergunta: por que não sou positivo? O que há de errado comigo? Onde estou falhando tanto?
    Criticar a positividade como tóxica não significa valorizar uma negatividade deprimente. Elementar, meu caro leitor. Pensar positivo não depende só da vontade de cada um. Muita gente quer e não consegue. Mas o problema não está apenas em contar coisas negativas. O ponto crucial é o lugar para os problemas nos espaços sociais. Tem gente que não suporta mais o Facebook por causa das participações de óbito. Há quem fuja de “amigo triste” e detone quem só “conta desgraça”. Na “BBC News”, Teresa Gutiérrez, psicopedagoga e especialista em neuropsicologia, alerta que "o positivismo tóxico tem consequências psicológicas e psiquiátricas mais graves do que a depressão”. Dureza.
    Tudo vira problema? Tudo que tem potencial de problema. Redes sociais podem ser vistas como um espaço de acolhimento e convivência. Como quase tudo pode ter outro lado, nem sempre positivo, o bom pode virar ruim. Sem terrorismo. Dá para fazer alguma coisa modesta. Basta não fazer comentários a postagens negativas começando com o famoso:
– Lá vem a nuvenzinha.

 

 


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