Pouco, muito, tudo

Pouco, muito, tudo

Paga-se pouco a professores, cobra-se muito e deles se espera tudo

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      Outro dia, vi imagens de homens atravessando um arroio, com água pela cintura, ou acima dela, para levar material escolar a lugarejos nos confins do Brasil em tempos de pandemia de coronavírus. Parecia uma expedição minguada de desbravadores desgarrados dos sertões, algo como nas imagens do antropólogo Claude Lévi-Strauss descobrindo nossos territórios indígenas nos anos 1930. Na travessia recente dos carregadores de livros para alunos distantes havia um pouco de heroísmo e de melancolia nas cenas capturadas por uma câmera indiscreta. Lembrei de professores que faziam, muitas vezes, com sol ou chuva, cinco quilômetros a pé para lecionar na escola rural da minha infância. Que paradoxo! Ou seria apenas uma triste contradição? O professor é tudo, a ele se destina muito pouco ou quase nada.  

Professor de ensino fundamental e médio no Brasil ganha pouco. Ganha obviamente menos que professor de país desenvolvido. Ganha quase a metade do que recebe o magistério de país que leva educação realmente a sério. Ganha menos do que colegas de outros países sul-americanos como o sempre citado Chile. Os ricos podem pagar mais e nós não? Será que realmente priorizamos a educação? Quem paga melhores salários a professores obtém resultados melhores com os alunos. Matemática simples e verificável na prática. Quem duvida só tem uma coisa a fazer: estudar o relatório 2020 da OCDE intitulado “Educação em relance”.  Um professor brasileiro, na média de esnino privado e público, ganha cerca de 26 mil por ano enquanto um europeu consegue em torno de 50 mil. Pesa muito.

      Professores brasileiros ganham em média 13% menos que os chilenos. Na competição interna com outros profissionais com mesmo nível de formação, professor perde também: ganha quase 30% menos. Ser professor de ensino fundamental e médio exige um grande amor por uma atividade cantada em prosa e verso, louvada em discursos políticos, especialmente em época de campanha eleitoral, mas desvalorizada no relatório da hora da verdade: o contracheque. Legislação até existe. Só falta cumprir. Oito estados não pagam o piso fixado em norma federal. Tudo neste Brasil continental, em termos de educação, é diferente, exótico, instável ou utópico. Quase sempre para pior. As salas de aulas têm mais alunos do que fora daqui. É ônibus lotado.

      Ficamos na primeira parte da tabela, entre 32 países listados, quando se trata de número de alunos em sala de aula: 10º lugar até o quinto ano do fundamental; sexto lugar em aglomeração nos estágios do 6º ao 9º ano. Como fazer ensino de qualidade quando se tem de lidar com um cotidiano sobrecarregado de dificuldades, de carências e de obstáculos? Não somos o país que mais paga impostos no mundo nem que o mais gasta com alunos por ano. Somos certamente um dos países a entregar um dos piores serviços pelos impostos recebidos e a mal remunerar os professores de quem se espera a construção do futuro dos nossos filhos e netos. Paga-se pouco, cobra-se muito e espera-se tudo.


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