Réveillon da mídia

Réveillon da mídia

publicidade

Esse negócio de fim de ano é, cada vez mais, um acontecimento da mídia. É um exemplo de como a imprensa cria o fato ou o transforma em evento. Começa com o termo “réveillon”, importado do francês, que é uma estratégia de marketing, uma maneira de dar estatura ao que antes era apenas a virada ou a passagem de ano:

– Como foi a virada?

– Virada não, réveillon. Virada é coisa de mané.

– Aproveitou bem?

– Tomei todas e dormi pelas dez da noite.

– Perdeu o melhor? Que azar.

– Vi o réveillon da Nova Zelândia.

A palavra réveillon, para os franceses, é bem menos charmosa e serve para qualquer virada. O dicionário “le petit Robert” define réveillon como refeição feita tarde da noite em qualquer momento do ano. Fala também em réveillon de Natal e do ano novo. Enfim, uma noite em que se come tarde e dorme de madrugada.

–Onde vai passar o réveillon? – pergunta o brasileiro.

– Qual deles? – devolve o francês?

– Ora, qual? O da virada/

– Ah, o Ano Novo?

Como se sabe, a mídia não vive sem clichês constrangedoramente edificantes.

Quase todo mundo se sente obrigado a participar do jogo.

– Alô, Raul, estou te ligando para desejar Feliz Ano Novo. Que seja um ano de muita paz, alegria e felicidade.

– Vai ter guerra.

– Hã!?

– Pode escrever aí o que vou dizer para ti: os Estados Unidos vão arranjar um pretexto para atacar o Irã.

– Ah, bom! De qualquer maneira, muita paz para ti.

– Vou me separar. Estamos quebrando o pau todo dia.

– Vou torcer para que as coisas melhorem.

– Disseste a mesma coisa na última vez, há um ano.

– Mesmo assim, que seja um ano de tolerância.

– Os muçulmanos radicais vão controlar o Egito.

– É mesmo?

– Os judeus ultraortodoxos, que são dez por cento da população do país, vão continuar a perseguir mulheres em Israel.

– Bem, boa noite.

– Vai ser difícil ter uma boa noite com metade do edifício ouvindo o show dessa tal de Paula Fernandes.

Fim de ano desperta também um lado muito particular das pessoas. A mídia resolve explorar assuntos diferentes e sai atrás de charlatães de todo tipo, que fazem as previsões estapafúrdias de sempre,  jamais confirmadas, e receitam banhos exóticos. A taxa de acerto é sempre zero.

– E aí, como vai ser o réveillon?

– Estou otimista. Tomei um banho de 14 ervas.

– Não eram sete?

– Melhor não ser mão de vaca com a sorte.

O importante, dizem todos, é compartilhar emoções, passar bons momentos juntos, comemorar as vitórias do ano findo e pensar positivo para o ano que está começando.

– E aí, foi bacana o réveillon?

– Não vi nada.

– Dormiu antes?

– Assim fosse.

– Ficou doente?

– Nada. Estragou a televisão.

Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895