Reforma contra os muito pobres

Reforma contra os muito pobres

Projeto do governo lesa os mais desfavorecidos

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Num processo esquisito, a aposentadoria foi demonizada no Brasil.

Parece feio querer se aposentar com menos de seis mil reais por mês.

Um acinte. Um privilégio. Um roubo. Banqueiros e milionários bradam contra a aposentadoria sugerindo que se trata do grande mal a assolar o país.

– Tira-se dinheiro da saúde e da educação para aposentadorias – dizem.

      Como se aposentadoria não fosse importante.

Está certo que se aposentar aos 50 anos não faz sentido.

Corrija-se a idade.

Se problema há não é com a previdência dos trabalhadores de empresas privadas. Por que não se faz exclusivamente uma reforma da previdência do setor público? Todo dia parte da mídia diz que no regime de repartição o trabalhador na ativa paga o salário do aposentado. No Brasil, essa afirmação é falsa. Quem paga a aposentadoria são as contribuições do empregado na ativa, do empregador e porcentagens de taxas recolhidas pelo Estado. É um tripé.

      Como grande parte da população brasileira vive com um salário mínimo miserável e se aposenta com valor equivalente. Até a parte que consegue um valor de até cinco mil e poucos reais, mas que contribui de acordo com essa diferença, passou a ser chamada de rica, sendo confundida com os setores públicos com regimes próprios anteriores a 2003. A grande solução é fazer todo mundo se aposentar pelo mínimo possível. A isso se chama de combater privilégios. A categoria mais “privilegiada”, a dos militares, ainda não entrou na dança.

Mas já que se trata de combater “privilégios”, o que sempre parece uma ideia adequada, por que não eliminar três bolsões de favorecimentos pornográficos: taxar dividendos (só Brasil, a Eslováquia e a Estônia não o fazem), aumentar impostos sobre heranças (o imposto brasileiro é um dos mais baixos do mundo) e diminuir incentivos para grandes empresas, inclusive multinacionais, que enchem as burras aqui.

      Aposentadoria por repartição é solidariedade. A diferença entre capital e trabalhador é simples: o capital não gosta de riscos e se manda quando acha o ambiente perigoso; o trabalhador não tem para onde ir. O Estado, como dispositivo da sociedade organizada, na aposentadoria por repartição, tem de garantir uma velhice digna para as pessoas. Tem político sustentando que se pode trabalhar até os 80 anos de idade. Por quê? Para confirmar que o sentido da vida é trabalhar e produzir até morrer para felicidade geral dos que embolsam as substanciais diferenças?

      Há coisas para mudar no Brasil. Não é possível, por exemplo, que funcionário público aposentado faça novo concurso. A roda deve girar. O mais velho cede lugar ao mais novo.

Por enquanto, o projeto do governo massacra os muito pobres ao empurrar dos 65 para os 70 anos o acesso ao BPC de um salário mínimo, a renda dos que não têm renda. Faz firula aos conceceder R$ 400 reais a partir dos 60 anos, uma soma indigna e insuficiente.

A aposentadoria por capitalização, defendida por Paulo Guedes, é humor de mau gosto. Não funcionou nos quatro países onde foi aplicada, sendo um deles a ditadura chilena de Pinochet, e não é usada nas principais economias mundiais, salvo como complementação. Por que daria certo aqui? Fez-se a reforma trabalhista por empregos que não vieram, embora tenham sido anunciados dia e noite. A reforma da Previdência promete a retomada do crescimento. São chutados números tirados da cartola para iludir os incautos. É pura propaganda enganosa. O buraco é mais embaixo: retirar direitos para aumentar lucros e não tocar em privilégios.


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