Rescaldo da reunião ministerial

Rescaldo da reunião ministerial

Brasil foi ao fundo do poço da política

publicidade

 Antes tarde  do que omisso: o que sobrou da divulgação da reunião do ministério? Um país abalado pela sua baixaria? Uma nação debochada? Indiferença?

 

      Vejamos a situação. A mais famosa reunião ministerial brasileira era a da noite de 23 de agosto de 1954, no Catete, da qual Getúlio Vargas saiu para a morte. Agora, com a liberação do vídeo do encontro de 22 de abril de 2020 comandado por Jair Bolsonaro, passamos a outro patamar: do histórico ao pornográfico. É possível que em termos jurídicos nada afete Bolsonaro no que pode ser visto em quase duas horas de gravação. Politicamente não é de duvidar que o presidente da República saia fortalecido junto aos seus eleitores fanáticos. A história reterá o baixo nível da reunião, os 37 palavrões compartilhados pelo presidente e seus ministros, as ameaças às instituições, o pendor autoritário dos envolvidos, o despudor e, acima de tudo, o voluntarismo desenfreado.

      O que se vê de obsceno? Bolsonaro defendendo armar a população para uma possível guerra civil; Damares Alves propondo prender governadores por suas ações contra a pandemia; Ricardo Salles clamando pela aprovação,  sem participação do Congresso Nacional, de medidas para desmontar as regras de proteção ambiental, “passar a boiada” na canetada, “neste momento de tranquilidade”, enquanto a mídia fala do coronavírus; Abraham Weintraub pedindo a prisão dos vagabundos do STF; Paulo Guedes alegando que salvar pequenos dá prejuízo e aproveitando para exigir a privatização do Banco do Brasil; o presidente prometendo interferir em cada ministério para ter os seus pleitos atendidos.

      Sérgio Moro jura que o conteúdo da reunião prova a sua denúncia de que Bolsonaro o ameaçou de demissão se não pudesse interferir na Polícia Federal. É o método Moro de fazer provas: por justaposição e ilação. Se A disse que e aconteceu B então fica provado que A levou a B. Tudo leva a crer neste caso que sim. Obviamente que Bolsonaro queria trocar o superintendendo da PF no Rio de Janeiro, tanto que fez isso. Mas no vídeo a fala do presidente tem algo de genérico, embora, em outro momento, ele olhe para Moro. Dará espaço a interpretações e entrelinhas jurídicas. A fala faz sentido quando inserida no conjunto de ameaças anteriores à reunião e de fatos posteriores a ela. Bolsonaro está mais vulnerável a ser processado por crime de responsabilidade, cuja palheta é ampla, como descumprimento da dignidade do cargo, do que por crime comum. O Centrão está sendo adoçado com o que mais gosta, cargos, para confirmar a improvável inocência do presidente.

      Na reunião ministerial vê-se um governo chulo, vulgar, paranoico e descontrolado. A tal liturgia do cargo, se um dia existiu, acabou. O ministro Celso de Mello prestou um grande serviço à nação ao liberar as imagens. Agora sabemos como falam os doutos que dirigem o país quando se sentem à vontade. Pode-se especular que nunca tantos seres bizarros tiveram, ao mesmo tempo, tanto poder. Pode um ministro pedir a prisão de um membro do STF pelo simples fato de que os magistrados, no exercício das suas atribuições constitucionais, contrariam os interesses do executivo? Pode um presidente dizer que está armando a população para que ela se defenda de algum ditador imaginário?

O Brasil saiu menor da reunião dos mentecaptos. O general Mourão passou o tempo todo sorrindo ao lado de Bolsonaro. Parecia dizer: atolem-se, atolem-se, que estou pronto para assumir. O que mudaria? A patente do presidente.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895