Safra literária

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Três novos grandes escritores lançam livros

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      Vou repetir: três das quatro maiores revelações literárias brasileiras deste século XXI vivem no Rio Grande do Sul. Os gaúchos Luiz Maurício Azevedo e José Falero e o carioca Jeferson Tenório. O quarto talento incontornável é o baiano Itamar Vieira Júnior. Todos eles são negros e abordam nos seus livros os temas do ser negro no Brasil racista de ontem e de hoje. Os três nossos estão lançando novos livros neste ano da peste de 2020. Luiz Maurício entrega aos leitores “A manipulação das ostras”. Lindo. Ele é um especialista das guerras de trincheira. Publica pela sua editora, a Figura de Linguagem.

      Jeferson Tenório saltou da Sulina (uma máquina de revelar talentos), onde brilhou com “O beijo na parede”, para a Cia das Letras, a dona dos melhores espaços de mídia no país. As editoras locais funcionam como nossos clubes de futebol: descobrem os craques e logo os veem partir. Mas aplaudem o sucesso que eles alcançam. Para virar autor nacional é preciso publicar pelas editoras do Rio de Janeiro e de São Paulo ou a mídia do eixo não dá a menor bola. Até jornalista de província quando vai para a imprensa do centro passa a ignorar o que deixou para trás. Os próprios leitores dos Estados só se emocionam mesmo quando um autor de casa aparece nos jornais de “fora”. Até o nosso prêmio Açorianos parece se encantar mais quando o escritor local tem respaldo midiático “externo”. Enfim, uma velha história.

Tenório estreia na Pauliceia com um belo romance, “O avesso da pele”. José Falero queimou etapas. Tem muito talento. Lançará pela Todavia, em novembro, “Os supridores”, um romance ambientado nas favelas de Porto Alegre, espaços que ele conhece bem. A Todavia está na moda. É a editora da vez. Conta com profissionais oriundos da Cia das Letras. Vem construindo um catálogo qualificado com foco em assuntos antes rotulados de “marginais” como o da negritude. Neste Brasil complexo, onde o contraditório se disfarça de paradoxo, a Todavia tem como investidores o herdeiro do banco Itaú, Alfredo Setúbal, o presidente do Fundo de Investimentos Teorema, Guilherme Affonso Ferreira, e o executivo do Fundo Indie, Luiz Henrique Guerra. A Festa Literária de Paraty (Flip) também tem patrocínio de Ferreira.

      Os autores nada têm a ver com isso. Encontram um selo capaz de alavancar suas produções. O que faz de Luiz Maurício, Tenório e Falero autores diferenciados? Cinco elementos: talento, força narrativa, temáticas, autenticidade e ponto de vista. São textos modernos, ágeis, com profundidade psicológica e linguagem, digamos, vertiginosa. Na literatura de Luiz Maurício há tensão permanente e uma espécie de diálogo com a própria arte de escrever. Na de Tenório, meandros, desvãos, sutilezas, enfrentamentos. Na de Falero, abismos, rupturas, rasgos. Não se sai ileso da leitura desses caras. Eles mexem com a gente: sacodem, espremem, cutucam, provocam, fascinam e até ferem. Dá orgulho saber que esses escritores andam entre nós. O Brasil ainda vai certamente muito ouvir falar deles. É só o começo das suas carreiras.


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