Servidores protestam

Servidores protestam

Manifestação encheu o centro de Porto Alegre

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Consegue um governo segurar o rugido das ruas? Ontem, do Estúdio Cristal, onde fazemos, Taline Oppitz e eu, o programa Esfera Pública, na Rádio Guaíba, vimos a manifestação dos servidores da Segurança Pública do Rio Grande do Sul desfilar como uma onda sem fim. Em dez anos de vitrine, pois o Cristal é um aquário na esquina da Rua da Praia com a Caldas Júnior, nunca vi passar manifestação maior. Foram 50 minutos de pessoas caminhando sem interrupção. Um mar de gente protestando contra o pacote que o governo do Estado quer aprovar em regime de urgência. Pode um governador ignorar recado mais claro?

      Se o pessoal da segurança faz greve, o Estado para. É o caos. Ninguém faz greve por esporte. Os servidores das polícias gaúchas têm mostrado ao longo dos anos um senso de responsabilidade gigantesco. Se estão agora nas ruas, com caixão de defunto e caminhão de som, no melhor estilo trio elétrico, é por razão de força maior. O pacote do governo asfixia, esgoela, paralisa, precariza, desestimula, faz uma categoria se mobilizar. Primeiro deve dar um desânimo danado. Em seguida, vem a determinação de lutar. Esse tipo de verbo costuma arrancar bocejos dos que enxergam em sindicatos um mal corporativo. Mas é de luta mesmo que se trata. Eu vi em cada rosto determinação.

      Fiquei imaginando o suor dos deputados estaduais com a rua roncando. Que farão? O governo parece encurralado. Não tem dinheiro para todas as suas despesas. A solução encontrada não passa no teste do confronto com os atingidos. Policiais civis e militares descontentes tiram o sono de qualquer um. Segundo os representantes dos policiais civis, todas as delegacias do Estado pararam. Como não parar? A dobradinha magistério-segurança pública tem potencial para sacudir o coreto de qualquer governo. A grave dos professores já está na terceira semana sem dar sinal de cansaço. As eleições de 2020 piscam no horizonte lembrando os partidos do que podem e devem perder.

      Na era da transparência cada cidadão quer saber tudo sobre as tais isenções fiscais. O tempo dos segredos de Estado parece ter os dias contados. O humor dos manifestantes mostra um tom corrosivo devastador: “Me chame de IPVA e me defenda com todo aquele entusiasmo. Ass: Escola Pública”. O que temem os servidores da segurança? O aumento das alíquotas previdenciárias arranca um naco de ganhos em grande parte modestos. A manifestação foi tranquila, pacífica, mas robusta, segura, avassaladora. O governador Eduardo Leite estava em Bento Gonçalves, na cúpula do Mercosul, onde falaria o presidente da República, Jair Bolsonaro, enquanto o centro de Porto Alegre fervilhava de descontentes com as suas propostas indiscutíveis.

      Depois do programa, peguei um ônibus. O povo comentava a manifestação. Puxavam conversa com desconhecidos. Não se continham. Calculavam o tamanho do estrago para o governo: 20 mil pessoas, 30 mil. Cada estimativa vinha com uma exclamação de espanto. Quando desci, no Bom Fim, ouvi um senhor dizer: “O centro está pegando fogo”. 

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Neste sábado e domingo, estarei em Canela para lançar Acordei Negro.


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