Setembro cinza

Setembro cinza

Cores e expectativas num ano de pandemia

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      Cada mês tem a sua cor e a sua campanha. Janeiro é branco (saúde mental); fevereiro é roxo (Alzheimer) e laranja (leucemia); março, azul escuro (câncer colorretal); abril, azul (autismo); maio, amarelo (redução de acidentes de trânsito); junho, vermelho (doação de sangue); julho, amarelo (hepatites virais); agosto, dourado (aleitamento materno); setembro é verde (doação de órgãos), amarelo (prevenção do suicídio) e roxo (fibrose cística); outubro, rosa (câncer de mama); novembro, azul (câncer de próstata); e dezembro, vermelho (luta contra a aids). Para cada mês um foco de conscientização fundamental e difícil.

A vida é preciosa e precisa ser preservada. Quando eu morrer, o que espero só aconteça dentro de uns 60 anos, pois pretendo entrar no livro dos recordes como uma das pessoas mais velhas do mundo, quero que todos os meus órgãos aproveitáveis sejam doados. O corpo pode cremar e jogar uma parte das cinzas de cima de cerro de Palomas, outra parte no Bom Fim, em Porto Alegre, e a última em Paris, em Montparnasse. Darei trabalho. Tentarei deixar dinheiro para as viagens a Palomas e Paris. Para Palomas o dinheiro já está garantido. Gosto dessa ideia de cores para cada mês e dessas campanhas. Penso também em cores para os meses a partir de minha subjetividade. Sempre penso em setembro como dourado, mês do retorno do sol, da luz e da alegria.

Detesto inverno. Preciso, em alguns dias, usar três meias grossas dentro de casa para que meus pés não congelem. Temperatura média boa para mim é 30 graus. Em julho e em agosto, projeto setembro ouvindo Vanusa, que infelizmente está muito doente, e Beto Guedes, “sol de primavera”. Com Vanusa, eu canto: “Nas manhãs de setembro/Eu quero sair/Eu quero falar/Eu quero ensinar o vizinho a cantar”. Pobre do vizinho, sou muito desafinado. Com Beto Guedes, eu cantarolo: “Quando entrar setembro/E a boa nova andar nos campos/Quero ver brotar o perdão/Onde a gente plantou juntos outra vez”. Confesso e sonho: “Já choramos muito/Muitos se perderam no caminho/Mesmo assim não custa inventar/Uma nova canção/Que venha trazer sol de primavera”.

Este setembro, assim como este ano de 2020 da pandemia, tem sido cinza. Nenhuma manhã ensolarada em Porto Alegre nos primeiros 14 dias de setembro. Cinza chapado, céu baixo, ano de chumbo, mês opaco, combate à depressão. A primavera felizmente vai se impor. Sempre lamento que ela dure pouco. Somos propensos a ter muito frio ou muito calor. Nenhuma estação é mais bonita do que a primavera. Ela tem um efeito impressionante sobre mim: retomo o gosto pela vida, volto a acreditar no futuro, chego a ter fé novamente na humanidade. Neste ano, como setembro chegou sem chegar, tudo ficou mais lento na minha percepção. Quando o calor chega cedo, tudo se desregula e floresce antes do tempo. Quando há atraso, minha mente se perde. Sou como uma flor que já queria ter desabrochado e não sabe mais o que fazer enquanto espera o sol finalmente se afirmar a cada dia. Nas manhãs de setembro eu ainda quero ensinar algum vizinho a cantar desafinado.


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