Sob o sol das tardes imemoriais

Sob o sol das tardes imemoriais

Greve dos Bancários pode terminar nesta sexta

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Refluxo

 

As palavras desfazem-se como rendas

Roídas por rubros ratos silvestres

Enquanto os meus olhos se embaçam

Como lentes lavadas de lágrimas

Vidradas nas cataratas extintas.

 

Aviões preenchem lacunas no céu

A mulher arregaça a saia e o véu

Mostrando longas pernas distintas

Crianças fustigam um pônei ao léu.

 

O sexo arde ao sol como uma rocha

A mão segura o fogo como uma tocha

Dados esparramam-se sobre o gramado.

 

Agora eu estou aqui desarmado

Contando centavos, ruas e quiabos

Entre santos, estrelas e diabos.

 

Vejo ao longe o teto de uma colina

Os cílios pintados dos edifícios

O tremular sereno das árvores

Sentimentos soldados como concreto.

 

Mais um ano se passou sem alarde

Salvo dos atentados e terremotos

Para fazer História já é tarde

Rugem os homens e as suas motos.

 

Os livros esfarelam-se ao vento

Cada página contendo um tempo

Cada tempo retendo seu sopro.

 

As casas já não vivem nem morrem

São esses os fatos que ocorrem

Cada casa é um quadro noturno

Alguna tons tendem ao soturno.

 

Contemplar uma casa é pintura

Cada homem numa delas figura

Imóvel no interior da moldura

Para sempre com a mesma postura.

 

As casas são como as colheitas

Exibem esse enigma dos trigais

A cor melancólica dos parreirais

O amarelo tão suave das pátinas

E o vermelho surdo das máquinas.

 

As casas somos nós no temporal

Poesias descascadas no vendaval

Paixões construídas no carnaval.

 

As casas mostram a alma e o sexo

Fósseis de amores num vilarejo

Marcas na arqueologia de um beijo.

 

Por que me vem essa tristeza

Quando vejo uma casa fechada?

Por que toda essa melancolia

Ao ver de uma casa a fachada?

 

As casas são apenas espelhos

Eternos e eficientes aparelhos

Disfarçados de calendários

Marcando o escoamento da vida.

 

Na infância, as casas riem

Na adolescência, elas sofrem

E experimentam o primeiro orgasmo.

 

O tempo passa e vem o espasmo

As casas se curvam como ombros.

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