Sob o sol das tardes imemoriais
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As palavras desfazem-se como rendas
Roídas por rubros ratos silvestres
Enquanto os meus olhos se embaçam
Como lentes lavadas de lágrimas
Vidradas nas cataratas extintas.
Aviões preenchem lacunas no céu
A mulher arregaça a saia e o véu
Mostrando longas pernas distintas
Crianças fustigam um pônei ao léu.
O sexo arde ao sol como uma rocha
A mão segura o fogo como uma tocha
Dados esparramam-se sobre o gramado.
Agora eu estou aqui desarmado
Contando centavos, ruas e quiabos
Entre santos, estrelas e diabos.
Vejo ao longe o teto de uma colina
Os cílios pintados dos edifícios
O tremular sereno das árvores
Sentimentos soldados como concreto.
Mais um ano se passou sem alarde
Salvo dos atentados e terremotos
Para fazer História já é tarde
Rugem os homens e as suas motos.
Os livros esfarelam-se ao vento
Cada página contendo um tempo
Cada tempo retendo seu sopro.
As casas já não vivem nem morrem
São esses os fatos que ocorrem
Cada casa é um quadro noturno
Alguna tons tendem ao soturno.
Contemplar uma casa é pintura
Cada homem numa delas figura
Imóvel no interior da moldura
Para sempre com a mesma postura.
As casas são como as colheitas
Exibem esse enigma dos trigais
A cor melancólica dos parreirais
O amarelo tão suave das pátinas
E o vermelho surdo das máquinas.
As casas somos nós no temporal
Poesias descascadas no vendaval
Paixões construídas no carnaval.
As casas mostram a alma e o sexo
Fósseis de amores num vilarejo
Marcas na arqueologia de um beijo.
Por que me vem essa tristeza
Quando vejo uma casa fechada?
Por que toda essa melancolia
Ao ver de uma casa a fachada?
As casas são apenas espelhos
Eternos e eficientes aparelhos
Disfarçados de calendários
Marcando o escoamento da vida.
Na infância, as casas riem
Na adolescência, elas sofrem
E experimentam o primeiro orgasmo.
O tempo passa e vem o espasmo
As casas se curvam como ombros.