Sobre educação

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Investimentos para o presente

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Quando o livro “Sapiens” (L&PM) saiu no Brasil, ninguém falava dele. Só eu. Escrevi seis artigos em sequência sobre a obra. Hoje, todo mundo discute as ideias de Harari. Não tive influência, óbvio. Apenas me antecipei. Introduzi no Brasil a obra do francês Michel Houellebecq. Ninguém sabia quem ele era. Traduzi “Partículas elementares” e “Extensão do domínio da luta”. Agora, Houellebecq é assunto de conversas de bar. Cunhei a expressão “corruptos de estimação”, que se disseminou, embora ninguém me dê o crédito. Tudo isso para justificar meu quarto texto sobre “Reviravolta”, livro de Jared Diamond. A diferença é que ele é um autor de best-sellers.

      Um capítulo de “Reviravolta” (Record) intitula-se “O que vem pela frente para os Estados Unidos? Forças e principais problemas?” Para Diamond, professor de geografia da Universidade da Califórnia, os Estados Unidos estão vacilando. Um dos problemas apontados por ele é a falta de inclinação para o compromisso político: “Os americanos como um todo estão se tornando polarizados e politicamente inflexíveis”. Os políticos já não convivem, não passam finais de semana juntos, em família, obrigados a correr permanentemente atrás de financiamento de campanha, uma forma legal, diz Diamond, de se vender: “Cerca de 80 dos nossos 535 congressistas sequer mantêm um apartamento em Washington, dormindo no escritório durante a semana e voando para casa no fim de semana”. Um brasileiro vê outra coisa: nossa, eles dormem no gabinete!

      Jared Diamond sublinha outros aspectos: peso do financiamento privado de campanha, encarecimento das disputas, polarização ideológica extrema, queda nos investimentos em educação, baixo índice de comparecimento às urnas, “na mais recente eleição para prefeito da cidade [Los Angeles], 80% dos residentes qualificados não votaram”. Um problema suplementar é que a cada eleição todo cidadão precisa se inscrever, nem sempre sendo aceito, num processo de manipulação histórico. Os mais atingidos são os mais pobres e os negros. O Texas mantém escritórios em apenas um terço dos condados, o que leva muitos a terem de viajar até “400 quilômetros se estiverem determinados a satisfazer ao requerimento de documento com foto com carteira de motorista”. Parece mentira, mas o autor explica com fartura de dados.

Desigualdade – Jared Diamond encara o senso comum. Depois de lembrar que Jeff Bezos, Bill Gates e Warren Buffet detêm juntos o equivalente ao possuído por 130 milhões de americanos, sustenta que o crescimento da desigualdade abala os fundamentos da democracia estadunidense. A mobilidade social é mais baixa do que nas outras grandes democracias: “42% dos americanos cujos pais pertenceram aos 20% mais pobres de sua geração terminaram entre os 20% mais pobres de sua própria geração”. Só 8% dos mais pobres conseguiram avançar: “Em resumo, a crença sobre a viabilidade de passar dos trapos à riqueza é um mito”. Sem chance.

      Dois autores citados por Jared, ironizam: “Escolha cuidadosamente seus pais”. Filho de peixe, tubarão será. Onde está o problema? Diamond aponta o dedo, na “quantidade cada vez menor de dinheiro que dedicamos à educação”, que produz alunos cada vez menos preparados, “a ponto de doze estados gastarem mais em seus sistemas prisionais do que em suas instituições de ensino superior”. As vantagens competitivas vão sendo perdidas. A fila anda. Rapidamente.

Professores – Os Estados Unidos continuam superpoderosos, mas sofrem abalos na autoconfiança. Diamond espalha dados: se na Coreia do Sul os professores são recrutados entre os 5% mais bem colocados nos exames de ingresso nas universidades, gozam de alto prestígio e ganham ótimos salários, com 12 candidatos por vaga ao magistério, “os americanos recebem os mais baixos salários relativos”. No Estado de Montana, professores completam os ganhos trabalhando como “empacotadores em supermercados”. Finlândia e Singapura fazem como a Coreia do Sul: valorizam professores. Diamond diz que, entre seus alunos na Universidade da Califórnia, só encontrou um querendo ser professor.

      Se a Finlândia não permite que instituições privadas cobrem pelo ensino, o modelo norte-americano possibilita que “distritos mais pobres e estados mais pobres” sejam “menos bem financiados”. O que está havendo? Diamond responde: carga tributária baixa em relação a outras grandes democracias, maiores gastos com prisões, que “enfatizam a punição e a dissuasão, em vez da reabilitação e da reeducação”. Os resultados em saúde, expectativa, mortalidade infantil e mortalidade materna ficam atrás das outras grandes democracias, pois o que para europeus é visto como fundamental – investimentos públicos – tende a ser considerado coisa de “socialista” nos Estados Unidos da América.

      Há muito mais: O Primeiro Mundo consome 32 vezes mais do que o restante do planeta, inclusive gasolina e plásticos, emitindo gases de efeito estufa na mesma proporção. Os 60 milhões de italianos consomem mais do que o dobro do 1 bilhão de africanos. Pode funcionar assim?

 


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