Sonhando com o Natal

Sonhando com o Natal

Pensar no fim do ano dá ânimo

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      Imagino a surpresa do leitor com o título acima. É que ando obcecado pelo futuro. Fico pensando no Natal e no Ano Novo. Faço planos. Acredito que seja uma tentativa de enganar o tempo, de dar um salto para frente e de me afastar destes dias assustadores e lentos. Estar em dezembro significará que meses se passaram e que o pior ficou para trás. Nas retrospectivas, o horror da pandemia e o alívio da vacina. Sim, eu acredito (desejo) que até o final do ano já se terá a vacina que nos devolverá a normalidade e os abraços de quem amamos.

      O que andarão dizendo os adversários das vacinas? Nunca tanta burrice foi defendida publicamente em tão pouco tempo, a começar pela história da Terra plana. A ignorância e o anticientificismo chegaram a ser moda numa revolta dos ressentidos contra o conhecimento. Mas estamos, na minha imaginação, em dezembro. As ruas estão tomadas, as lojas fervilham de gente, a vida triunfa. Muitos infelizmente choram os mortos da pandemia. Em muitas ceias, faltará alguém. O ano de 2020 nunca será esquecido. Pelo que teve de triste. O clima de solidariedade, que se disseminou durante a crise, ainda persiste. As famílias reúnem-se para celebrar o Natal e para se abraçar. Poucas vezes houve tanta vontade de se encontrar, de se juntar, de se amar.

      Eu acredito nesse cenário. Dilemas éticos, antes teóricos, passaram a ser debatidos por sua realidade e urgência. Os laços de família ganharam nova dimensão. A amizade, alimentada durante o grande medo com ajuda de aplicativos, retomou, com mais força, o contato direto, presencial. Encontrar-se virou sinônimo de liberdade e afeto. Quero, no final do ano, reunir a família, misturar pessoas, comemorar a vida, o amor, a amizade e a possibilidade de compartilhamento, de reunião, de congraçamento, de contato. O sentido mais valorizado será o tato. Sentir pelo toque, tocar para sentir profundamente, dedilhar.

      Penso no próximo Natal e me arrepio. Como será realmente? Estouraremos espumante no Ano Novo? Que presentes nos daremos? De minha parte, nenhum presente será mais valioso do que o estar juntos. O longo isolamento despertou em muitos de nós, certamente na maioria, um desejo de revisão de posturas e de hábitos arraigados. Por que tanta pressa? Por que tanta solidão mesmo antes do confinamento? Podia ser diferente? Por que tanto desejo de consumo e de distinção? Por que tanta correria? Por que tantas metas, ambições e disputas? Por que tamanha arrogância?

      Um espírito acerbo poderá ver pieguice e susto nesta visão em meio ao grande medo. Os valores simples, que só descobrimos em situações graves, não se constrangem em exibir certa ingenuidade. E se for um Natal da simplicidade, de um espírito familiar intenso e de uma atitude nova diante da vida? Ficarei feliz. Será, no entanto, que só conseguimos colocar em debate nossos valores quando sacudidos por uma tragédia? Não poderíamos ter mudado sem um sofrimento tão grande? Fica um gosto amargo na boca. E a esperança de que no Natal esteremos bem.


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