Temer, antes e depois da vírgula

Temer, antes e depois da vírgula

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Vinte em dois

 

      Michel Temer vive numa bolha. Discursa para os seus fantasmas. Conversa com seus botões. Reina para as suas fantasias. Acha que é JK, o presidente que pretendia fazer o Brasil crescer 50 anos em 5. A Bossa Nova agora é funk. Temer chegou a carimbar um slogan furado: “O Brasil voltou, vinte anos em dois”. A marquetagem barata saiu pela culatra como uma mortal bala perdida. Como dizia uma campanha da Associação Brasileira de Imprensa, uma vírgula muda tudo. O bordão virou piada antes de decolar: “O Brasil voltou vinte anos em dois”.

Em artigo para a imprensa, o impávido colosso Michel Temer gabou-se em tom maior: “Os resultados são incontestáveis em todas as áreas”. Saco de risada. Incontestáveis parecem os indicadores da popularidade do presidente: 4% estão com ele. Apenas 0,9% votaria nele em outubro de 2018. Um fenômeno. O homem não perde a pose. Discursa para sombras na parede da caverna: “O Brasil e os brasileiros têm escolha fundamental a fazer neste ano. Continuar no caminho certo, com resultados reais, ou buscar alternativas que podem gerar insegurança, crise, dívidas, inflação, recessão, desemprego, pessimismo e desesperança”. Michel Temer acha que está arrasando. A maioria da população acha que o governo dele é um dos piores da nossa história.

Henrique Meirelles, esteio da política econômica de Michel Temer, consegue ser mais inexpressivo do que o seu chefe até pouco tempo: amealha, segundo a mais recente pesquisa, colossais 0,3% das intenções de voto dos brasileiros. O seu potencial de crescimento é menor que o do PIB brasileiro nas piores estimativas. O descompasso entre governantes e eleitores mostra um país fora de ritmo. A política desafina. O presidiário Lula lidera com 32,4% das intenções de votos e ganha em todos os cenários nos quais é citado. O segundo colocado, o estridente Jair Bolsonaro, aparece com metade desse patrimônio, 16,7%.

Acossado pela Polícia Federal, pelo MP e pelo STF, com a filha passando a vergonha de explicar despesas pessoais pagas por amigos do pai, Temer revelou-se um pequeno ator. Recitou: “Registrem o meu sorriso”. Quem terá escrito essa fala para ele? O mesmo publicitário que bolou o divertido “o Brasil voltou”? O governo de Temer agoniza. Para não ser perseguido, beneficia-se do pouco tempo que lhe resta, o seu maior capital no momento. Alguns já o tratam com solene desdém:

– Não se chuta cachorro morto.

Será que Temer ainda pode fazer algum estrago? Ele bem que gostaria. A reforma da Previdência é o seu sonho de consumo. Não vai rolar. No país dos paradoxos, a falta de virtudes dos parlamentares protegerá os brasileiros de mais uma tentativa de uma vírgula mal colocada fornecer material para uma biografia que não fique restrita à conspiração para chegar ao poder máximo pela via indireta. Temer alçou-se ao planalto pilotando um programa de duas páginas gloriosamente intitulado “Uma ponte para o futuro”. Em breve, será passado. Vinte anos em dois. Como dizia o título de um romance, “Avante, para trás”.

Nota de rodapé ou vírgula no lugar errado?

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