Tim Maia para espantar a tristeza

Tim Maia para espantar a tristeza

Filme conta a vida louca do cantor

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      Quanto talento! Que vida louca! O filme “Tim Maia”, disponível em streaming, baseado no livro “Vale tudo, o som e a fúria de Tim Maia”, de Nelson Motta, mostra o cantor de corpo inteiro. A versão exibida pela Rede Globo cortou as brigas com Roberto Carlos. Vale lembrar que Tião e Roberto foram amigos na Tijuca, Rio de Janeiro, no tempo das vacas magras, época em que montaram a banda “Os sputniks”. No papel de Tim, o ator Babu Santana manda muito bem. Dá show. Tim Maia morreu, aos 55 anos de idade, em 1998, vítima dos seus excessos. A revista Rolling Stone Brasil o elegeu melhor cantor brasileiro de todos os tempos. A sua voz rouca e poderosa tem mesmo poucos rivais.

      O percurso existencial de Tim Maia é uma epopeia sem heroísmo nem pompa: morador de cortiço, onze irmãos, entregador de marmita durante anos, preso nos Estados Unidos – para onde se mudara de maneira improvável – por roubo e porte de drogas, deportado, preso no Brasil por outra apropriação indébita do alheio, agarrou-se à música por ter certeza do próprio talento. Foi humilhado por Roberto Carlos, já famoso, que o tratou como “mala” saído do passado, mas não deixou de ouvi-lo e dar uma força. Deixou de ser Tião para ser Tim por sugestão de Carlos Imperial, que achava Tião nome de auxiliar de almoxarifado. Tião virou Tim, ficou famoso, ganhou muito dinheiro, bebeu todas, consumiu todas as drogas que lhe chegaram às mãos, à boca e ao nariz e destilou sua irreverência, não raras vezes grosseira, por toda parte. Viveu um grande amor conturbado e nunca se poupou.

      Tudo em Tim Maia era excessivo: a voz, o peso, o apetite sexual, o desejo de se consumir, o consumo de substâncias ilícitas, a ânsia de viver até a última gota, a violência verbal, era uma máquina de dizer palavrões, com arroubos físicos, incontinência espiritual e talento avassalador. O excesso pode beneficiar e depois mandar a conta. A música brasileira deve a Tim Maia a importação do soul e do funk, que ele tropicalizou ao extremo. A rotina era o seu mal incurável. Ao menor sinal de tédio e normalidade, ele explodia o ninho. A imagem mais associada a ele não tem originalidade, mas nem por isso deixa de ser justa: vulcão. Um vulcão jamais adormecido ou extinto. Ele soube ser popular e sofisticado, dançante e melancólico, romântico e realista, artístico e comercial, renovador e tradicional. Tudo, tudo.

Sou fã de carteirinha de Tim Maia e sempre me deliciei rodando suas músicas em rádio. Os convidados falavam no intervalo. Eu me concentrava para ouvi-lo. Ele teve a sua fase mística, convertido à Cultura Racional, uma maluquice com guru e esperteza, que resultou em dois discos quando era vivo e um póstumo. O curioso é que esses discos, ignorados inicialmente pela crítica e com vendagem abaixo do seu normal, hoje são vistos como excelentes, pois, sem consumir álcool nem droga por força da nova vida monástica, Tim Maia viu sua voz atingir o máximo da potência. Sebastião foi abreviado para Tião. O simpático Tião virou o carismático Tim Maia. Sempre será Tim Mais.


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